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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2012

nevoeiros feitos saunas

a nossa mania de olhar para as coisas sem ser do tamanho que são deixa-nos sempre no limiar do risco de não conseguir ver tudo o que elas comportam. aos nossos olhos o nevoeiro são apenas nuvens que decidiram ser um pouco mais pesadas e assentar sobre a terra como uma camada de chantilly se acomoda num bolo, toldando o caminho, dificultando a distância, humidificando o pensamento e as ideias. tenho para mim que o nevoeiro é um método de concentração. grita por todas as gotas "concentrem-se, vá, não olhem lá para o fundo que não dá para ver. hoje é para olhar para esse canteiro aí ao pé e dar atenção às joaninhas a trepar plantas". diz a tradição popular que se sonha mais quando há nevoeiro. diz a minha experiência que isso é bem capaz de ser verdade. diz a minha imaginação que isso faz todo o sentido, desde que se assuma que as moléculas de água são óptimos vagões de transporte de sonho e que, em dias de nevoeiro, a linha de caminhos de ferro dos sonhos se encontra em tod

mil folhas

a leitura é um hábito que se cultiva desde quase tão cedo como aquele outro hábito que envolve o diafragma e os pulmões, o que serve para manter as funções vitais em forma. já se inventaram muitas formas de arte e expressão cultural, e várias dessas têm em mim um fã acérrimo e um eterno seguidor. mas nada ultrapassa o etéreo de paixão que de um livro pode brotar. um livro trata-se como se de uma relação apaixonada se tratasse. olha-se de longe, chama a atenção, aproximamo-nos pé ante pé, a primeira vista transforma-se no primeiro cheiro, no primeiro manusear. a tinta das letras olha para nós com olhos de piedade, emanando "compra-me" por todos os poros da folha de papel. olhos que são de treta, porque sabem bem que no que separa capa de contra-capa se encontra um turbilhão de vida, um vértice de histórias, uma lupa para vidas e mais vidas e tempos e mais tempos. ninguém é obrigado a ler. eu acredito no livre arbítrio. mas quem não se conseguir apaixonar por um livro não sabe

os tempos em que o efémero nasceu

eram os verões do início dos anos noventa. alguns de vocês que estão a ler ainda nem nascidos eram, não passavam de projectos de cruzamento de material genético nas cabeças e gónadas dos vossos pais. sesimbra era uma terra com menos casas, com menos gente, com mais barcos, com água mais limpa. os meus dias eram passados a descer e subir a colina. para a praça, para a praia, para o almoço, para a praia da tarde (ó se a água tinha sempre carneirinhos que se adivinhavam cá de cima), para o jantar, para o passeio da noite. entre postas de cherne grelhado no carvão, brisas do mar e barcos de doce de amêndoa, a vida era ela própria doce como as sobremesas e o grande objectivo de vida era um dia conseguir nadar até aos barcos. pelo meio de tudo isto uma certeza. o walkman da sony, recebido como presente no fim da quarta classe, era um dos meus melhores amigos. nele cabiam as várias colecções de música gravadas em cassete no espólio lá de casa. uma delas tinha como destino acabar de exaustão.

o amor anda de mãos dadas com a dedicação

a recomendação é para que se chegue cedo. a enchente diária de turistas é garantida. em qualquer altura do ano. a confusão de agra, uma cidade bem "agra-e-doce", é atravessada pelo rio yamuna, majestoso na altura em que ali chego, no fim da época das monções. inunda os campos de água, fecundando-os de vida. a vigiar de perto o curso do yamuna encontra-se aquele que é provavelmente o monumento mais famoso do subcontinente indiano, o taj mahal. se há locais do mundo que nos causam demasiada expectativa, desiludindo no momento da descoberta, este não é certamente um deles, sendo tão ou mais impressionante do que os nossos melhores sonhos imaginaram. para lá chegar fintam-se as ruas dos bairros envolventes. chovem convites para entrar em mais uma casa de tapetes. ou ali na outra que vende toscas miniaturas dos monumentos. de onde somos? israel? espanha? itália? entre, entre, não paga para ver, oferecemos-lhe chá, sem pedir nada em troca. chovem também algumas gotas de água do céu

a descida do avião

a descolagem de um avião é um bonito hino à engenharia e ao engenho humano. sentimos o corpo colar-se à cadeira, os motores gritam alto como quem prepara a investida numa batalha, as rodas rodam mais rápido que elas próprias, as asas concentram-se com toda a força e o aparelho acelera pista fora. imagino-o sempre de ohos cerrados, concentrado, conquistador. finalmente as leis da física decidem que as correntes de ar que roçam as asas vão mudar a forma como se brinca a este jogo e geram o impulso que leva o avião a descolar. colam-se então as paredes do estômago, a inclinação do corredor da aeronave mostra que há um meio termo entre o horizontal e o vertical e aí vamos nós. gosto muito de descolar por esse mesmo motivo. é como uma composição musical triunfante. uma declaração de intenções ao universo e um cruzar de espadas com a atmosfera. mas o que que eu gosto mesmo é de aterrar. porque na descida faço de conta que não há engenharia e engenho humano e imagino que sou tão somente um pá

o beijo

isto dos dias internacionais do tudo-e-mais-alguma-coisa dava-me para ter um tema para escrever por dia. em que momento se perdeu a espontaneidade deste mundo, e se decidiu dedicar a celebrar algo em dias específicos, gostava eu de saber. não sei se o dia internacional do beijo implica comemoração específica ou particular, ou se a dose em que hoje os beijos são servidos tem mais um terço do que o habitual por ser o seu dia. o beijo não só é para uso frequente como é intemporal. imune a dias. às vezes até imune a noites. a quantidade de informações sensoriais acumuladas na língua e nos lábios mostram a importância que a própria biologia deu ao beijo. a troca é mais que táctil. o conhecimento é sinuoso, navegador, partindo-se à descoberta de uma envolvência que é própria de cada beijo. não há dois beijos iguais. e há decerto mais beijos que genes. cruzamentos de beijos ao longo da história geram tantos outros. emparelhados, desemparelhados, igualmente belos. aprende-se a beijar como se a

o mal dos super-heróis é serem demasiado super

as crianças identificam-se com os super-heróis. na inocência e pensamento sonhador, próprios da infância, sonham ser como (inserir o nome de um qualquer super-herói presentemente num momento de grande fama) e imaginam-se no dia-a-dia com os poderes dos seus ídolos. no meu tempo achávamos que podíamos ser o super-homem, o batman, o capitão américa, o he-man ou alguns outros. bom, eu também sonhava ser o alf, mas sou um caso patológico e isso não vem agora à discussão. nessa fase do pensamento, vacilante entre a construção dos valores aprendidos em casa e na escola, as hipóteses da fantasia aparecem como válidas e todos nós achámos nalgum momento que conseguíamos voar de casa para a escola ou colocar o modo invisível para roubar algodão doce na feira popular. depois crescemos. e quando a vida adulta nos mostra do que é feita, quando cheiramos pela primeira vez o valor da responsabilidade, quando passamos a pagar impostos ou a poder pedir bebidas alcoólicas sem ser por intermédio de algué

conversas com a lua

numa das minhas conversas com a lua perguntei-lhe como é que ela fazia para ter esse jeito tão próprio de fazer tanta gente acreditar que aquela luz é dela, quando no fundo ela é apenas um espelho da luz do sol. a lua lá me explicou vagarosamente, como é seu timbre, que foi criada mesmo para isso, para espelhar e ajudar a ser feliz. contou-me que dia a dia mete as mãos à obra, gira grandes rodas dentadas para ir gradualmente espelhando um pouco mais de luz. chega ao dia do seu máximo esplendor e gira tudo ao contrário para ir dando cada vez um pouco menos de luz. com isto, diz-me ela, ajuda a subir e descer as marés, a orientar os animais selvagens nos seus caminhos e até a influenciar quando os bebés nascem. aplaudi o brilhantismo da lua e fiz-lhe duas ou três festas no lombo (saibam que a lua rebola de felicidade quando lhe fazem festas no lombo) mas logo me surgiu outra dúvida. então, se ela funciona como espelho da luz do sol, não poderia também funcionar como espelho da luz da ter

os cabos do mundo .

a predilecção do ser humano por cabos é algo de notável. há quinhentos anos atrás o seu objectivo era dobrá-los no meio de tempestades, entrando para dentro de meia dúzia de tábuas de madeira marteladas à pressa com um quadrado de pano a dar a dar ao sabor do vento. os cabos eram de tal forma temidos que até lhes inventavam figuras humanas monstras e lhes davam nomes de miradouros de santa catarina (deixem-me acreditar que a ordem dos factos é esta, sim?). num regime mais contemporâneo os cabos mudaram de sítio. largaram a pedra em que a água bate e tornaram-se em fios de cobre, ou de outra coisa qualquer, envoltos em borracha e com uma maníaca tendência para se enrolar. sempre achei aliás que os cabos só podem ter sido feitos à imagem dos bichos de conta, dada tamanha semelhança no que toca à 'enroladela'. estes cabos estão por todo o lado. criam uma cidade à parte, só sua, acima da outra e abaixo da outra. até ao fundo do oceano eles foram parar, para transportar megabytes de

pergunta resposta .

pergunta: " oh João, tu que és cardio, achas que amamos com o coração? " a minha resposta: " acho que devíamos amar com o coração e teimamos em amar com a cabeça..."

entre linhas de pautas moram letras

a música tem um papel constante na minha vida. os sons mais variados conseguem a proeza de me fazer viajar sem sair do mesmo sítio. de sonhar acordado. tem mais força para os meus sentidos carregar no botão 'play' de certas músicas do que pôr uns óculos estranhos e fingir que estou a ver o mundo a três dimensões. (o que se passa com isto das três dimensões, já agora? que raio de embuste à inteligência vem a ser este? eu quando vou ver um filme quero ver um filme. descansado. em sossego. de três dimensões já é o resto do meu mundo e se eu quiser três ou mais dimensões vou para o meio da floresta ou da praia e não preciso de usar óculos adequados. tirando os de sol em certos dias.) consigo traçar a rota da música na minha vida até aos momentos mais primitivos da minha memória. consigo associar músicas a locais, a pessoas, a fases da vida. já me apercebi que funcionam certamente como um índice do livro que é a nossa vida. quando começam a tocar, envergonhadamente, do nada, transpo