Todas as manhãs milhares de lisboetas cumprem o ritual do trânsito. Muitos são obrigados a fazê-lo devido aos incapazes transportes públicos, que apesar de reconhecidas melhorias nos últimos anos, continuam a não ser capazes de suportar todo o tráfego de pessoas em torno da capital em hora de ponta.
Pelo meio do ritual quase se criam famílias, portugueses típicos para todos os feitios, com carros para todos os tamanhos, desde os camiões que andam de obra para obra ou a distribuir vegetais, à moçoila que acaba de ajeitar o baton em frente ao espelho (quase batendo no da frente), ao pintas que tem de usar o seu "tuningzado" carro para ir para o trabalho que paga os cromados e ailerons, ao velhote que se encaminha para mais uma consulta tentando lembrar-se das queixas que tem e dos medicamentos que toma (numa clara prova de que se anda a esquecer de tomar os da memória), até a mim que tenho de desesperadamente chegar a horas ao Pulido Valente, para mais um dia de enfermidades e, espera-se, subsequentes curas.
No meio deste bulício todos andam a passo, todos têm tempo para se observar entre si, para barafustar para com o chico-esperto que finge que vai sair para a Repsol e afinal só estava a passar meia dúzia de carros pela direita, para tremer com a vibração dos aviões que nos passam por cima alheios ao nosso trânsito. Dá tempo para tudo, até para ler as gordas do jornal, acabar aquele relatório importante ou tomar o pequeno-almoço.
Uns minutos à frente, e tão à portuguesa, descobre-se o motivo do pára-arranca... não há nada do nosso lado, mas no sentido contrário houve um acidente e há que gentilmente lentificar a nossa marcha e meter o bedelho na situação em causa. Afinal... quem está do lado de lá do separador faz parte desta nossa família...
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