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Mensagens

A mostrar mensagens de 2018

papel, pedra e tesoura

há meses que ando a tentar jogar ao papel, pedra e tesoura  no central park e o meu sucesso tem sido perto de zero. só tenho sido feliz na parte da pedra, já as encontrei de v ariados tamanhos e feitios, guardei-as todas para um dia fazer um castelo e  destruí um dedo mindinho entre dois seixos mais atrevidos, mas valeu a pena. o papel tem muito que se lhe diga. acho que de início entendi mal,  andei à procura do papel junto de qualquer pessoa que tivesse ar de  vir a sair da broadway. um actor muito simpático recomendou-me um  psiquiatra seu amigo e duas actrizes pouco sorridentes fugiram de mim c omo se tivesem visto a peste negra. de todos os três, a tesoura é o maior desafio. já encontrei uma de  podar, caída no relvado, mas um dobermann com ar ameaçador ladrou  mais alto que a minha vontade de aventuras.  ainda pensei trocar o jogo pelo xadrez, mas rapidamente desisti,  eram ainda mais peças para encontrar. resolvi apostar em actividades mais  estóicas. observar os pássaro

parece que foi ontem

parece que foi ontem, que os dedos abriam as páginas do atlas ao acaso e decidiam os adversários do próximo jogo, sim, desta vez pode ser um escaldante bahamas contra gronelândia, ficando tudo a jeito para essas partidas em que um só jogador fazia de vinte e dois e criava a complexa dinâmica de rematar à baliza e defender o remate ao mesmo tempo. parece que foi ontem, que adormecer era complicado, o calor, que nem a brisa do rio acalmava, entrava pela alma, e para dissuadi-lo brincavam os pés pelo enrugado das paredes, ó deus, quem se lembraria de inventar paredes rugosas e achar que isso tinha tudo para correr bem. parece que foi ontem, a vida era muito só isso, o intervalo entre campainhas, o duelo entre livros devorados e roupas suadas com tanto futebol de intervalo, as aventuras em autocarros apinhados de gente, os desafios de fazer uma chave de casa rodar, porque isso é tão difícil e pertence ao mundo dos grandes. parece que foi ontem e de repente é hoje. de repente os atlas

uma ou outra vez

uma vez escrevi um livro. outra vez também. mas cansei-me das duas vezes ao fim de dez páginas e eles morreram tragicamente antes da idade. pensar dá muito trabalho e consome demasiada energia. fazer de deus, criar personagens do nada, espirrar mapas com linhas que não existem, adormecer a delinear horizontes e perder o autocarro por causa da árvore que tinha de ficar mesmo no meio do vale e se perdeu no caminho até lá e agora estão os corvos todos a reclamar e toda a gente sabe que os corvos quando reclamam fazem um chinfrim e que as vírgulas caíram todas na descida da montanha e agora para as encontrar é um castigo que nem vos digo. é mais fácil não pensar. molhar só as mãos em tinta, abrir cem a duzentas páginas e molhar as filhas da celulose com uma coisa qualquer. não são palavras a dançar o tango umas com as outras. não são letras a saltar do céu num pára-quedas cor de arco-íris. mas isso não importa ou pouco importa. dá na mesma para pôr uma capa, esconder debaixo do braço e des

fora da bolha

fechou a porta da bolha com uma mão, enquanto a outra mão apertava o nariz para tentar não desmaiar com o cheiro nauseabundo . as paredes da bolha tinham rachas de cima a baixo, o tecto da bolha, todo de vidro, parecia ser feito de chapa de zinco, tamanha a sujidade que o inundava . fora da bolha tudo era melhor, sentia-se uma rainha . depois de passar pelo banho dado na lavagem automática, explorada por um grupo de gambozinos obsessivo-compulsivos, chegava ao mundo lá fora pronta a reinar . cumprimentava reis à esquerda, príncipes à direita, toda a gente lhe perguntava a sua opinião, queria ver a sua aprovação, procurar o calor das suas palavras, almejar a, sei lá, quem sabe, até, talvez um dia, poder fazer parte do seu círculo fechado de amizades . corria as várias capelinhas, tinha opinião sobre tudo e todos e tudo e todos tinham ouvidos para a sua opinião . desinformada, cheia de musgo, superficial, mas na sua parca inteligência tinha percebido há bastante tempo que no mundo de h