As crianças têm uma felicidade muito mais natural. Quando crescemos, a nossa felicidade deixa de ser ingénua e genuína e passa a ser pensada, construída, e muitas vezes falsa. Convencemo-nos que certas coisas nos fazem felizes. Enganamos o mais profundo do nosso ser e do nosso pensar, e nem descobrimos que o que nos faz realmente felizes e' aquela gargalhada súbita, que sai não sabemos bem como, não sabemos bem porquê. Estando bem entre amigos, como estando bem entre amores, sabemos que nada mais à volta interessa, mas isso era o que sentíamos muito mais frequentemente quando éramos crianças.
Eu imaginava que 'quando fosse grande' queria ter uma piscina exclusivamente cheia de leite creme. Teria empregados sempre a confirmar a temperatura e textura do leite creme, para que, quando me apetecesse, eu mergulhasse nesse éden gastronómico, em direcção a pirolitos de prazer. Ate' podiam ir amigos à piscina. Seria grande e dava para todos. No fim nem precisávamos de toalhas e podíamos tão simplesmente lamber os restos de leite creme das peles alheias como quem rapa o tacho do doce acabado de fazer. Aqui esta' logo uma das perdas de inocência. Não só não posso ter uma piscina de leite creme, como não posso dizer que lambia corpos alheios sem lhe dar um cunho de total desinocência.
Também queria que a minha cidade fosse toda equipada de escorregas de água. Sete colinas (são muitas mais, melhor ainda), transformadas num gigantesco parque aquático, da altura em que ainda ninguém os via como ferramentas de homicídio infantil. Eu então poderia andar pela cidade de calções e descer a Bica como quem ataca o Kamikaze.
Sabemos que tudo isto passa. Crescemos e percebemos que o mais próximo que a cidade se torna de um parque aquático gigantesco e' o dia em que chove desalmadamente, e na pressa (sempre a pressa) de chegar a lugar nenhum, derrapamos e quase levamos à letra a história do kamikaze.
Agora sei que não posso ter uma cidade de escorregas com água. Mas a piscina de leite creme...
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