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percursos

todos passam por ti como quem te despreza. vêem o teu aspecto pobre e envelhecido, essa camisa gasta e as botas de quem já teve melhores dias na vida. olham de esguelha para o teu caminhar trôpego sobre a neve. as marcas que deixas na neve, parecem de quem claudica, mas só tu sabes que são marcas de guerra. de guerras, aliás. daquelas a sério, como aparecem nos filmes, e das outras, que se seguem a essas e são ainda piores. para as primeiras ainda fizeram de conta que te preparavam. para as segundas ninguém te deu qualquer conselho, ninguém te leu os planos, não te puseram uma metralhadora às costas, muito menos te mandaram seguir pelo pântano fora. mas tu seguiste, como é óbvio. tinhas um daqueles caminhos curiosos, que não têm trás. no fundo, os caminhos nunca têm trás, só têm frente, mas as pessoas também teimam em achar que há frente, trás e lados em tudo.

quando eu paro e olho para ti, sentado nesse limbo onde o passeio finge que se torna estrada, pergunto-me se olhas os carros que passam, ou se são eles que te olham a ti. imagino que o teu refúgio na contemplação da estrada tem muito a ver com o facto de os carros irem para lá e virem para cá. no fundo um efeito doppler contínuo, como tu gostavas que a tua vida tivesse sido e nunca ninguém deixou.

não reparas que te estou a observar e levantas-te, penosa e vagarosamente. arrastas-te na direcção não sabes bem do quê. deixas-te guiar pela brisa da tarde, pelo crepúsculo do dia, pelo gélido do frio que se adensa com a noite, e lanças-te em mais um caminho que sabes tão bem que nunca terminará porque já está terminado. sentes-te estranhamente leve.

o teu corpo jaz sob uma pele pálida e a ganhar tonalidades arroxeadas. ninguém repara. o vento continua a soprar. a neve cai. a música toca ao longe e tu continuas a caminhar, afastando-te da imagem do teu corpo, com a mesma naturalidade com que todos os dias a levavas contigo no final do dia.

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