Avançar para o conteúdo principal

um jantar como outro qualquer



sentei-me com eles antes que tivéssemos sequer tempo de olhar bem à volta. perde-se muito quando não se conhece o terreno. eu gosto de olhar bem, como quem vê, antes de me sentar onde quer que seja. as paredes falam, a decoração susurra dicas e a disposição das pessoas explica a disposição da noite. um jarro com flores pendurado daquela parede explica mais sobre esta sala que mil comentários de críticos no jornal.


o encontro estava marcado há um tempo, mas andámos sempre os três tão ocupados que foi bem difícil arranjar uma data. enquanto o f se tentava decidir entre o robalo grelhado e o joelho de porco, o k conseguiu adormecer sobre si próprio, vítima de uma espécie de narcolepsia do génio. finalmente lá demos o murro na mesa e acordou para pedir a sua massa. integral. parece que estava de dieta.


começámos com o pé esquerdo, com o k a vir com a do costume de que todo o Homem é uma seca, e quem o queira contrariar será uma seca a fazê-lo. depois lá explicou que isto era apenas uma ideia geral, bebeu um trago de vinho branco e fizemos as pazes. não durante muito tempo. o f, ainda picado com a história de sermos todos uma seca, começou a tentar desafiar a lógica de pensamento do k dizendo-lhe que frequentemente dá grandes passeios e que quando olha para um abismo o abismo olha de volta para ele. contrariamente ao que ele esperava, tanto eu como o k concordámos com ele e por isso não se gerou a discussão. no fundo achámos que ele nunca devia ter tocado nos aperitivos, mas isso é outra história.


quando se fala bem entre amigos, nunca parece muito, nunca é demais, nunca cansa. o que cansa é a conversa da treta, de ocasião, e de falta dela. inventar o ininventável dificulta o discurso e faz tropeçar a compreensão. nada disso se passou nas três horas em que ali estivemos. entre a nuvem de fumo e a pouca nitidez do vinho, falou-se de tudo, sem preconceitos e sem cair em paradigmas fáceis.


chegou a conta por fim. o f disse para me lembrar que tenho de ter muito caos em mim mesmo para fazer nascer uma estrela que dance e o k que a nossa vida expressa o resultado dos nossos pensamentos dominantes. com isto paguei a conta, perguntei-lhes se ao menos podiam dividir a gorjeta e sorriram enquanto acenavam que sim.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

À terceira é de vez!!!

Como tenho muita lata... este post é na linha de dois recentes... (um deles mesmo recentíssimo, o meu último) e trata da adaptação, não de séries (porque somos muito oranginais por estas bandas e isso depois na verdade tornar-se-ia repetitivo... quer dizer... até parece que assim não...), mas sim de filmes estrangeiros, para português. São novidades muito secretas e portanto só espero que tenham bastante cuidado na divulgação das mesmas (ao dizer isto espero que as publicitem, bem como a vinda aqui ao meu "little corner", numa jogada minha à laia d'"o fruto proibido é o mais desejado"). - Tó Pegane : história de um filho de uma ex-emigrante "na França" (daí a sempre típica mescla do nome António com o Pegane do francês com quem a senhora se casou). O rapaz entra para a Força Aérea, e depois há para lá umas intrigas. Ah! Na cena mais espectacular do filme, Tó Pegan faz um cozido à portuguesa, utilizando para aquecimento dos ingredientes a barriga...

na moda

Está na moda escrever sobre o amor. O truque é pintar o dito de lugares comuns e adornar o produto final com duas ou três asneiras das pesadas para emanar pseudo-rebeldia. O conjunto de palavras é tão bonito e tem uma força tão positiva que o que está mesmo a pedir é para ser posto num rectângulo, acompanhado de uma imagem do pôr-do-sol/paisagem verdejante/gatinhos/silhueta de um ou dois corpos (riscar o que não interessa) e feito, está pronto a sair do forno para esse sufrágio universal que são as redes sociais. Está na moda gostar dessa visão do amor. Que tenta copiar alguns traços dos mestres mas que os copia mal e porcamente, borra a tinta toda, mas encontra destinatários com a visão tão baça que nem dão por isso. Dantes havia o condão de ficar preso às letras do Shakespeare, do James, do Cummings e de tantos outros. Todos eles vieram por aí fora, ainda há bem pouco tempo dava para jogar à macaca com o Cortázar, mas está tudo a trocar a macaca por meia dúzia de macacos, que ap...

Sliding Doors

Assim que abriu a porta sentiu o cheiro do perfume dela. As moléculas atravessavam todos os recantos da sala, saltavam do pescoço dela, atravessavam as partículas feitas do mesmo pó que as estrelas, para se irem alojar nos sensores olfactivos do seu nariz, refinados durante anos para saber distinguir o agradável do nauseabundo, bem como tudo o que está pelo caminho. Os cabelos dela brilhavam como se tivessem sido tocados pelo Rei Midas. Deslizavam pelas costas, lembrando-lhe a cor com que fica a encosta inclinada de uma montanha naquele lusco-fusco que se precipita ao pôr do sol. O nariz dela tinha as proporções perfeitas de uma rainha do século XVIII e era empinado o suficiente para lhe dar o ar de quem sabe por onde vai. Os seus olhos estavam, com certeza, nos lugares cimeiros da lista dos olhos mais bonitos do mundo. Tinham tanta vida, pensou ele, eram da cor que resultaria do acasalamento do azul turquesa com aquele verde dos lagos da Croácia. ...