Sonho por vezes
que não tive de abandonar o meu país. Que pude continuar no conforto de quem
conhece de cor o meu coração, de quem sorri com empatia a cada um dos meus
gestos, de quem sabe baralhar os ingredientes que eu gosto e voltar a dá-los,
num prato fumegante e devorável.
Sonho que o meu país não é um sítio onde o apelido vale mais do que o mérito, onde se dá mais valor a títulos atrás do nome ou a palavras caras do que a sentimentos verdadeiros, seja a julgar papiros, seja a julgar uma vida. Não existem lugares perfeitos, mas existem alguns com mais escuridão do que o fundo de um poço em dia de lua nova.
Sonho que o meu
país não se deixou invadir por hordes zombies, sem qualquer pedigree
intelectual, mas com a sobranceria de achar que o têm. Imagino (ou será que
sonho? Ou que invento?) que estou sentado no muro que guarda a praia, a olhar o
horizonte, alheado de todo o barulho atrás de mim (se calhar “absorto em
pensamentos” fica mais bonito, mais pomposo, mais “je ne sais quoi”). Atrás de
mim oiço discussões furiosas, gritos viscerais, gente a falar do nível de
rating do rimbaud, do segundo pedido de resgate da beauvoir e do crescimento do
PSI20 literário. Finalmente consigo fechar os ouvidos e deixar de ver o que ali
se passa. Concentro-me nos caranguejos que brincam na areia e sorrio quando me
apercebo que carregam o seu jantar, indiferentes ao que se passa atrás de mim.
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