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Sliding Doors

Assim que abriu a porta sentiu o cheiro do perfume dela. As moléculas atravessavam todos os recantos da sala, saltavam do pescoço dela, atravessavam as partículas feitas do mesmo pó que as estrelas, para se irem alojar nos sensores olfactivos do seu nariz, refinados durante anos para saber distinguir o agradável do nauseabundo, bem como tudo o que está pelo caminho.

Os cabelos dela brilhavam como se tivessem sido tocados pelo Rei Midas. Deslizavam pelas costas, lembrando-lhe a cor com que fica a encosta inclinada de uma montanha naquele lusco-fusco que se precipita ao pôr do sol.

O nariz dela tinha as proporções perfeitas de uma rainha do século XVIII e era empinado o suficiente para lhe dar o ar de quem sabe por onde vai.

Os seus olhos estavam, com certeza, nos lugares cimeiros da lista dos olhos mais bonitos do mundo. Tinham tanta vida, pensou ele, eram da cor que resultaria do acasalamento do azul turquesa com aquele verde dos lagos da Croácia. Tinha a capacidade de sorrir só com os olhos, não que os lábios ficassem muito atrás na capacidade de encantar.

Ele viu que a mala dela estava aberta e, a medo, esforçando-se por não falar com uma voz muito tremida e ansiosa, disse-lhe:

- Tenha cuidado, olhe que a mala está aberta e pode cair alguma coisa ou podem tentar roubar-lhe algo nos transportes.
- Ah, muito obrigado. - agradeceu ela, sorrindo.

Ele derreteu-se com o sorriso, pensou no que poderia dizer de seguida, paralisou nas imagens mentais da figura que faria ao dizer certas coisas que lhe passaram pela cabeça. Quando finalmente ganhou coragem para lhe dizer que ela tinha um sorriso muito bonito ela sorriu de novo e saiu da sala, deixando-o para sempre a pensar na incerteza do que se consegue ou não se consegue nos momentos que nunca o são porque não fazemos o suficiente para que o sejam.

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