10, 9, 8 e por aí fora, a contagem é conhecida e decrescente. Põe-se um traço artificial no calendário e faz de conta que passou mais um ano.
"Como é que ele passou a noite?"
"Menos mal, parece que não esteve muito agitado."
"E o senhor esteve sempre aqui?"
"Sim, estou a fazer turnos com o meu irmão, a minha mãe só pode vir durante o dia."
"Sim, estou a fazer turnos com o meu irmão, a minha mãe só pode vir durante o dia."
"Infelizmente não tenho notícias muito melhores para vos dar, o coração continua muito fraco e a não conseguir compensar aquilo que anos de trabalho lhe fizeram, não há solução para o problema da válvula, os outros orgãos começam a dar de si. Estamos a tentar tudo o que podemos, mas infelizmente as coisas parecem estar a ir num sentido terminal."
"Nós sabemos, nós sabemos... faz alguma ideia de quanto tempo lhe restará?"
"É muito difícil de dizer, podem ser horas ou podem ser dias, se há coisa que o corpo humano nos ensina, à medida que a experiência se vai repousando nos nossos ombros, é que é muito mais difícil de decifrar do que o que se pensa. Às vezes parece ir embora em horas e dura dias. Outras vezes ao contrário. Até a meteorologia é uma ciência mais exacta."
"Acha que ele está a sofrer?"
"Acho que não, do que nos é permitido observar acho mesmo que não. Mas acredite que tudo faremos para garantir que isso não acontece, nesta fase esta é a nossa primeira prioridade."
"O doutor está sempre cá, não vai a casa?"
10, 9, 8 e por aí fora, a contagem é conhecida e decrescente. Põe-se um traço artificial no diário clínico e não faz de conta que passou mais uma vida, porque passou mesmo e não há idades ou circunstâncias que o tornem mais fácil, há sempre a necessidade de equilibrar a objectividade da ciência com a subjectividade do que nos vem do coração, porque as vidas marcam sempre e as mortes ainda mais.
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