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pedras

acho muito simpático da parte do fernando guardar todas as pedras do caminho para um dia construir um castelo, mas aqueles de nós que as têm nos rins apreciavam outro tipo de eficácia diferente de apenas contemplá-las durante o passeio diário para abater barriga. com tanto heterónimo ao barulho, pasmo-me que o fernando, pessoa de bem, não tenha dado vida a um ente que se tornasse urologista e arranjasse maneira de ajudar a prevenir várias noites em posição fetal a namorar com o chão frio da casa de banho. diz o povo que as cólicas renais são piores que as dores de parto, mas o povo não pensa no facto de quase metade da população não poder atestar essa comparação. é provável que seja o povo feminino, e esse sim pode saber das duas, como sabe de tudo o resto, sempre em demasia, que o conhecimento verteu todo para o segundo cromossoma x. enquanto um brufen beija um ben-u-ron e abraça outro, vou continuar aqui no meu canto, meio revoltado com o fernando, enquanto pesquiso qual o valor da p
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os outros

sempre achei que os outros estavam em maus lençóis. são anos e anos a ler e ouvir que só acontece aos outros, que os outros fazem isto e aquilo, que os outros não são como os não-outros. os outros nunca têm descanso, são imparáveis na energia que colocam nesse mundo bizarro, espelho daquele em que vivemos, e em que tudo sai de pernas para o ar. o que é fácil esquecer é que nós somos os outros dos outros, e que a nossa alteridade nasce no momento em que criamos a alteridade dos outros. é bem mais fácil olhar para um mundo em espelho do que para o próprio espelho, ver os descuidos dos outros em vez das rugas do nosso próprio comportamento, os desvarios alheios em vez dos nossos excessos de inconsistência. ninguém deve ser consistente a vida toda, até faz mal ao colesterol, mas, o mesmo perdão que pedimos para nós próprios, raras vezes é estendido, muito menos de óstia em punho, aos outros. a empatia é um conceito tramado porque obriga a usar muita energia, sobretudo mental, a que mais es

o mundo pós-covid

querem saber como é o mundo seguro e bonito quando o covid não for mais do que uma triste memória? perguntem aos queixos deste mundo. nada está tão bem protegido, tão assegurado, como os queixos, que, dê por onde der o ajuste da máscara, estão sempre bem cobertos. bem sei que os cientistas vos avisam de que o coronavírus se diverte a entrar no corpo humano pelas mucosas da boca, do nariz e dos olhos, mas essa informação é decerto apenas mais uma das milhares de notícias falsas que por aí pululam, uma vez que a observação pela rua fora mostra que o povo, que tudo sabe, até porque andou na universidade da vida, já topou a pinta genética do bicho e é pela mandíbula que ele nos quer trazer infelicidades várias. estar a gastar tanto tempo e dinheiro na busca de uma vacina parece-me até uma patetice. há muito que já podíamos e devíamos ter redireccionado esse dinheiro para a criação de uns bonitos moldes, em várias cores, para tapar o queixo e, inclusive, ajudar a poupar as orelhas, que tal

depois

depois. há sempre um depois. temos de ir aqui, temos de jantar, temos de fazer isto, aquilo e mais não sei o quê.  o presente tem sempre o condão de soprar uma quantidade de tempo infinito, que permite tudo planear, sem data, sem certezas, porque a esperança média de vida vai decerto aumentar para oitocentos e trinta anos em breve, e depois de criopreservados seremos capazes de pôr a agenda toda em dia, mais década menos década. o depois é mais escorregadio que a calçada do combro barrada de manteiga mimosa. um dia atravessa-se a porta do quarto, umas horas depois atravessa-se de novo mas na horizontal e com uma eternidade para fazer planos que não se vão cumprir, não assim tão diferentes dos que eram feitos quando as aurículas ainda batiam em compasso alternado com os ventrículos. mais depois de amanhã, menos depois sem advérbio de tempo palpável, sem raízes concretas. a vida são dois dias, e de vez em quando troca-nos a volta e nem a um dia se lembra de chegar.

nobel da tábua de engomar

cheira-me que os inventores do prémio nobel tinham as prioridades erradas. médicos, físicos, químicos, economistas, escritores, sim senhor, tudo muito importante e tudo grandes génios, mas peçam a cada um dos vencedores para passar uma camisa a ferro e eu logo vos digo quem é o génio na sala. não há volta a dar, ao oitavo vídeo no youtube a tarefa parece simples. qual astronauta pronto a pousar em marte, ponho água, ligo o ferro, rodo o manípulo até ao algodão, tudo parece estar a correr como os vídeos prometiam e muito lentamente o grande momento aproxima-se. passado o colarinho avançamos para a parte da frente e aí tudo se começa a complicar. "houston, we have a problem". são dois ou três vincos, não parece nada por aí além. que botão é este? vapor? deve ser boa ideia. hm, em vez de vapor sai uma espécie de areia e agora a camisa está cheia de pintas. ah, o quê, tem de se limpar o sistema de ferro porque acumula resíduos? de repente a central de chernobyl ao pé disto parece

a liberdade individual

as liberdades individuais são uma coisa engraçada de debater, desde que ninguém viole as minhas, sendo que eu sou ao mesmo tempo quem as define e quem julga se estão a ser violadas. como tal, tenho o perfeito equilíbrio de poder ser eu a definir o que são as minhas liberdades, como são para ser usufruídas e o que as fere num alto-e-pára-o-bailismo de escandalizar os santos.  só que não. porque felizmente vivemos em sociedade, e, como tal, as liberdades individuais são definidas, de um modo mais ou menos democrático, em sede própria, e de modo racional, uma vez que eu confio muito no  manel do café para tirar uma italiana perfeita, mas não sei se ele achar que o fulano x, y, ou z, muito bem que é racista e xenófobo, "mas o que vale é que diz umas verdades", o qualifica com suficiente maturidade democrática para definir por si os portões do que cada indivíduo pode ou não fazer (ainda confio menos no fulano x, y, ou z, mas isso fica para outro dia, que a sopa está quase a precis

idade adulta

o sol começava a aparecer no horizonte, tímido, pintando o céu de tons rosa e laranja, enquanto tu descias pelo trilho, quase mais inclinado que a parte de cima do evereste. as tuas pernas reflectiam o mesmo tom laranja e a tua pele cheirava a mar. os cabelos, indecisos entre serem ondulados ou ouriços-do-mar, emanavam a alma das algas do dia anterior, e guardavam no seu interior os segredos mais profundos do oceano. olhaste para trás e sorriste, e o teu sorriso desarmou o planeta num microssegundo, foi mais poderoso do que se o não-assim-tão-pacífico anel de fogo resolvesse revoltar-se todo ao mesmo tempo, e fez o meu coração bater recordes na escala de richter. aproximei-me e contei quantos raios tinha a tua íris, e quantas cores diferentes lá moravam. cheguei à conclusão de que tinha mais raios do que pessoas há no mundo, e mais cores do que a caixa mais cara da caran d'ache.  nisto fomos atravessados pela realidade. o teu sorriso confirmava aquilo que era claro, ele era uma