o sol começava a aparecer no horizonte, tímido, pintando o céu de tons rosa e laranja, enquanto tu descias pelo trilho, quase mais inclinado que a parte de cima do evereste. as tuas pernas reflectiam o mesmo tom laranja e a tua pele cheirava a mar. os cabelos, indecisos entre serem ondulados ou ouriços-do-mar, emanavam a alma das algas do dia anterior, e guardavam no seu interior os segredos mais profundos do oceano. olhaste para trás e sorriste, e o teu sorriso desarmou o planeta num microssegundo, foi mais poderoso do que se o não-assim-tão-pacífico anel de fogo resolvesse revoltar-se todo ao mesmo tempo, e fez o meu coração bater recordes na escala de richter. aproximei-me e contei quantos raios tinha a tua íris, e quantas cores diferentes lá moravam. cheguei à conclusão de que tinha mais raios do que pessoas há no mundo, e mais cores do que a caixa mais cara da caran d'ache.
nisto fomos atravessados pela realidade. o teu sorriso confirmava aquilo que era claro, ele era uma criança, com pele de leite e estrutura de quem ainda tem muito, demasiado, para crescer, com a radiosidade de um dia de verão e a energia de uma cascata, mas tudo isso ofuscado, com uma enorme sombra, pela falta de mundo, pelo modo como tropeçava nas palavras, pelo riso nervoso quando se falava de ginsberg ou de burroughs, e se percebia que o design de interiores vale tanto ou mais do que o desenho da parte de fora.
o teu sorriso continuava a quebrar o mundo, o nascer do sol continuava a aquecer a parte de trás do pescoço e o cheiro da maresia a embalar a manhã e a lembrar a perfeição imperfeita da idade adulta e o magnetismo imbatível das palavras que não eram ditas.
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