Avançar para o conteúdo principal

Por ruelas e calçadas (Parte 1)



O café estava quase a fechar. Ainda conseguia sentir no ar o cheiro do fumo que inundava aquele espaço, apesar de o efeito do álcool diminuir consideravelmente a capacidade de discriminar fosse o que fosse. Martha sabia que tinha feito uma asneira. Quantas e quantas vezes a sua juventude a tinha levado por caminhos semelhantes nas loucas noites de um subúrbio de Denver, igual a tantos outros...

Agora com 40 anos, e CEO de uma das mais famosas marcas de roupa mundial, só lhe apetecia chorar por ver que, nos momentos de fragilidade, voltava a ser a rebelde que só assentou quando foi estudar para a University of Columbia.

Deixada agora ao abandono nesta cidade europeia, de que nunca tinha ouvido sequer o nome, questionava como teria ido parar a um bar tão manhoso e a uma zona da cidade tão estranha. Os sucessivos flutes de champagne engolidos no Meridien pareciam a explicação mais lógica. Isso e o carácter enfadonho de todos os cinzentos que a acompanhavam neste mega-congresso de gente "pretensamente" gira e a trabalhar para pôr os outros giros.

Pediu a conta, terminou com o resto solitário da sua enésima cerveja, e deixou uma nota grande para gáudio do barman, mais habituado a receber os marinheiros dos dias de hoje e não os de antigamente. Agora parava ali quem era levado pela corrente e não quem queria jovialmente enfrentar a corrente de outros mares.

Martha saiu daquele antro de impessoalidade e olhou para o céu. Talvez estivesse a ver a dobrar, mas então estaria a observar um céu duplamente fantástico, naquela noite limpa e luzidia do mês de Junho. Com o espírito refrescado por essa visão, começou a andar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

À terceira é de vez!!!

Como tenho muita lata... este post é na linha de dois recentes... (um deles mesmo recentíssimo, o meu último) e trata da adaptação, não de séries (porque somos muito oranginais por estas bandas e isso depois na verdade tornar-se-ia repetitivo... quer dizer... até parece que assim não...), mas sim de filmes estrangeiros, para português. São novidades muito secretas e portanto só espero que tenham bastante cuidado na divulgação das mesmas (ao dizer isto espero que as publicitem, bem como a vinda aqui ao meu "little corner", numa jogada minha à laia d'"o fruto proibido é o mais desejado"). - Tó Pegane : história de um filho de uma ex-emigrante "na França" (daí a sempre típica mescla do nome António com o Pegane do francês com quem a senhora se casou). O rapaz entra para a Força Aérea, e depois há para lá umas intrigas. Ah! Na cena mais espectacular do filme, Tó Pegan faz um cozido à portuguesa, utilizando para aquecimento dos ingredientes a barriga...

na moda

Está na moda escrever sobre o amor. O truque é pintar o dito de lugares comuns e adornar o produto final com duas ou três asneiras das pesadas para emanar pseudo-rebeldia. O conjunto de palavras é tão bonito e tem uma força tão positiva que o que está mesmo a pedir é para ser posto num rectângulo, acompanhado de uma imagem do pôr-do-sol/paisagem verdejante/gatinhos/silhueta de um ou dois corpos (riscar o que não interessa) e feito, está pronto a sair do forno para esse sufrágio universal que são as redes sociais. Está na moda gostar dessa visão do amor. Que tenta copiar alguns traços dos mestres mas que os copia mal e porcamente, borra a tinta toda, mas encontra destinatários com a visão tão baça que nem dão por isso. Dantes havia o condão de ficar preso às letras do Shakespeare, do James, do Cummings e de tantos outros. Todos eles vieram por aí fora, ainda há bem pouco tempo dava para jogar à macaca com o Cortázar, mas está tudo a trocar a macaca por meia dúzia de macacos, que ap...

Sliding Doors

Assim que abriu a porta sentiu o cheiro do perfume dela. As moléculas atravessavam todos os recantos da sala, saltavam do pescoço dela, atravessavam as partículas feitas do mesmo pó que as estrelas, para se irem alojar nos sensores olfactivos do seu nariz, refinados durante anos para saber distinguir o agradável do nauseabundo, bem como tudo o que está pelo caminho. Os cabelos dela brilhavam como se tivessem sido tocados pelo Rei Midas. Deslizavam pelas costas, lembrando-lhe a cor com que fica a encosta inclinada de uma montanha naquele lusco-fusco que se precipita ao pôr do sol. O nariz dela tinha as proporções perfeitas de uma rainha do século XVIII e era empinado o suficiente para lhe dar o ar de quem sabe por onde vai. Os seus olhos estavam, com certeza, nos lugares cimeiros da lista dos olhos mais bonitos do mundo. Tinham tanta vida, pensou ele, eram da cor que resultaria do acasalamento do azul turquesa com aquele verde dos lagos da Croácia. ...