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Por ruelas e calçadas (Parte 1)



O café estava quase a fechar. Ainda conseguia sentir no ar o cheiro do fumo que inundava aquele espaço, apesar de o efeito do álcool diminuir consideravelmente a capacidade de discriminar fosse o que fosse. Martha sabia que tinha feito uma asneira. Quantas e quantas vezes a sua juventude a tinha levado por caminhos semelhantes nas loucas noites de um subúrbio de Denver, igual a tantos outros...

Agora com 40 anos, e CEO de uma das mais famosas marcas de roupa mundial, só lhe apetecia chorar por ver que, nos momentos de fragilidade, voltava a ser a rebelde que só assentou quando foi estudar para a University of Columbia.

Deixada agora ao abandono nesta cidade europeia, de que nunca tinha ouvido sequer o nome, questionava como teria ido parar a um bar tão manhoso e a uma zona da cidade tão estranha. Os sucessivos flutes de champagne engolidos no Meridien pareciam a explicação mais lógica. Isso e o carácter enfadonho de todos os cinzentos que a acompanhavam neste mega-congresso de gente "pretensamente" gira e a trabalhar para pôr os outros giros.

Pediu a conta, terminou com o resto solitário da sua enésima cerveja, e deixou uma nota grande para gáudio do barman, mais habituado a receber os marinheiros dos dias de hoje e não os de antigamente. Agora parava ali quem era levado pela corrente e não quem queria jovialmente enfrentar a corrente de outros mares.

Martha saiu daquele antro de impessoalidade e olhou para o céu. Talvez estivesse a ver a dobrar, mas então estaria a observar um céu duplamente fantástico, naquela noite limpa e luzidia do mês de Junho. Com o espírito refrescado por essa visão, começou a andar.

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