Primeiro era o verbo, mas o verbo insistiu vezes demasiadas, martelando tanto o complemento directo, que o sujeito não se quis mais sujeitar ao que quer que fosse. As veias secaram, sobretudo as pequenas, mas depois as médias e, por fim, as grandes, e todo o coração ficou chupado, parecia uma espécie de figo deixado ao sol durante oitenta e três anos e meio.
As raízes ainda se aguentaram uns tempos. Eram regadas todos os dias com uma mistela de amor e carinho que, nos casos certos, chega para suportar uma árvore, mesmo podre, durante anos a fio. No entanto, nem sequer no escuro do chão se aguenta tudo. Uma a uma, saíram e rastejaram em direcção a um ribeiro que passava ali perto, mas não se enraizaram o suficiente e um sapo que ia a passar de bicicleta acabou com o seu sofrimento de vez.
Era um império falso, por isso pouca diferença fazia quem atropelava quem. O sapo seguiu os outros sapos, era um sapal que fazia jus ao nome. Deram todos as mãos, olharam o céu em uníssono e esperaram que a bola de fogo desabasse e acabasse de vez com toda a irritante alegria que teimava em preencher o planeta.
A última coisa em que a libelinha pensou foi no resto de folha. A última coisa em que o sapo pensou foi na libelinha. A última coisa em que o lagarto pensou foi no sapo. A última coisa em que o lobo pensou foi no lagarto. A última coisa em que o urso pensou foi no lobo. A última coisa em que deus pensou foi no urso. A última coisa em que o homem pensou foi em deus. A última coisa em que o coração pensou foi no homem.
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