Avançar para o conteúdo principal

o mal dos super-heróis é serem demasiado super

as crianças identificam-se com os super-heróis. na inocência e pensamento sonhador, próprios da infância, sonham ser como (inserir o nome de um qualquer super-herói presentemente num momento de grande fama) e imaginam-se no dia-a-dia com os poderes dos seus ídolos. no meu tempo achávamos que podíamos ser o super-homem, o batman, o capitão américa, o he-man ou alguns outros. bom, eu também sonhava ser o alf, mas sou um caso patológico e isso não vem agora à discussão.

nessa fase do pensamento, vacilante entre a construção dos valores aprendidos em casa e na escola, as hipóteses da fantasia aparecem como válidas e todos nós achámos nalgum momento que conseguíamos voar de casa para a escola ou colocar o modo invisível para roubar algodão doce na feira popular. depois crescemos. e quando a vida adulta nos mostra do que é feita, quando cheiramos pela primeira vez o valor da responsabilidade, quando passamos a pagar impostos ou a poder pedir bebidas alcoólicas sem ser por intermédio de alguém mais velho, essas figuras passam a ganhar o cunho de ficção. assentamos bem os pés na terra na certeza de que o que nos leva de casa para o trabalho são veículos com rodas ou que caminham sobre carris e que o algodão doce está ao nosso alcance, sim, mas em troca de pedaços redondos de metal ou rectângulos espalmados de papel.

o que nos faz desistir de acreditar nos super-heróis? provavelmente o facto de serem demasiado super. o que os torna demasiado super não é sequer o facto de terem super-poderes. julgo que isso nós até saberíamos integrar na nossa realidade (mais ou menos alternativa). o que os torna escorregadios é terem defeitos. as fraquezas que lhes arranjas são sempre muito criativas mas pouco humanas.

porque é que nunca vemos o homem aranha ansioso porque tem de pagar o imposto municipal e uma conta da luz que não lembra a ninguém? o batman pelos cabelos porque os filhos não param de berrar e ele tem de acabar um relatório de contabilidade para entregar no dia seguinte no seu posto de função pública? e o capitão américa a ter de esperar quatro horas na loja do cidadão para renovar o passaporte? ou o he-man no ministério da administração interna para renovar a licença da espada que utiliza para tentar derrotar o skeletor?

no dia em que os super-heróis tiverem as ansiedades, os medos e as obrigações repetitivas de qualquer ser humano, talvez voltemos a acreditar que é possível voar ou invisivelmente surripiar algodão doce. até lá continuamos com dificuldade em perpetuar essa crença de infância. claro que agora aprendemos a brincar a um jogo novo, o de fingir em redes sociais que somos todos como super-heróis livres de fraquezas. mas disso falamos noutro dia, que eu agora tenho de ir a voar da janela de casa até ao trabalho.

Comentários

Mariana Neves disse…
Mais uma vez, outro texto fenomenal! Um dia, tiro o dia, e leio os textos todos deste blogue, parece-me que vou acabar o dia muito mais feliz :)
ahahah :) obrigado :) mas olha que não sei se um dia chegava que já começam a ser uns quantos ;)
XR disse…
Jeebus, está tudo explicado! Afinal querias era fazer sanduíche de gato... ;)
(j/k, ganhaste mais uma leitora, courtesy da nossa amiga Nihil)

Mensagens populares deste blogue

À terceira é de vez!!!

Como tenho muita lata... este post é na linha de dois recentes... (um deles mesmo recentíssimo, o meu último) e trata da adaptação, não de séries (porque somos muito oranginais por estas bandas e isso depois na verdade tornar-se-ia repetitivo... quer dizer... até parece que assim não...), mas sim de filmes estrangeiros, para português. São novidades muito secretas e portanto só espero que tenham bastante cuidado na divulgação das mesmas (ao dizer isto espero que as publicitem, bem como a vinda aqui ao meu "little corner", numa jogada minha à laia d'"o fruto proibido é o mais desejado"). - Tó Pegane : história de um filho de uma ex-emigrante "na França" (daí a sempre típica mescla do nome António com o Pegane do francês com quem a senhora se casou). O rapaz entra para a Força Aérea, e depois há para lá umas intrigas. Ah! Na cena mais espectacular do filme, Tó Pegan faz um cozido à portuguesa, utilizando para aquecimento dos ingredientes a barriga...

na moda

Está na moda escrever sobre o amor. O truque é pintar o dito de lugares comuns e adornar o produto final com duas ou três asneiras das pesadas para emanar pseudo-rebeldia. O conjunto de palavras é tão bonito e tem uma força tão positiva que o que está mesmo a pedir é para ser posto num rectângulo, acompanhado de uma imagem do pôr-do-sol/paisagem verdejante/gatinhos/silhueta de um ou dois corpos (riscar o que não interessa) e feito, está pronto a sair do forno para esse sufrágio universal que são as redes sociais. Está na moda gostar dessa visão do amor. Que tenta copiar alguns traços dos mestres mas que os copia mal e porcamente, borra a tinta toda, mas encontra destinatários com a visão tão baça que nem dão por isso. Dantes havia o condão de ficar preso às letras do Shakespeare, do James, do Cummings e de tantos outros. Todos eles vieram por aí fora, ainda há bem pouco tempo dava para jogar à macaca com o Cortázar, mas está tudo a trocar a macaca por meia dúzia de macacos, que ap...

Sliding Doors

Assim que abriu a porta sentiu o cheiro do perfume dela. As moléculas atravessavam todos os recantos da sala, saltavam do pescoço dela, atravessavam as partículas feitas do mesmo pó que as estrelas, para se irem alojar nos sensores olfactivos do seu nariz, refinados durante anos para saber distinguir o agradável do nauseabundo, bem como tudo o que está pelo caminho. Os cabelos dela brilhavam como se tivessem sido tocados pelo Rei Midas. Deslizavam pelas costas, lembrando-lhe a cor com que fica a encosta inclinada de uma montanha naquele lusco-fusco que se precipita ao pôr do sol. O nariz dela tinha as proporções perfeitas de uma rainha do século XVIII e era empinado o suficiente para lhe dar o ar de quem sabe por onde vai. Os seus olhos estavam, com certeza, nos lugares cimeiros da lista dos olhos mais bonitos do mundo. Tinham tanta vida, pensou ele, eram da cor que resultaria do acasalamento do azul turquesa com aquele verde dos lagos da Croácia. ...