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nunca deixem de ler o livro só porque sabem que acaba mal

o senso comum (o bom senso, diriam até alguns) descreveria como natural que quando somos abordados na rua por um tipo, de ar mais ou menos suspeito, que começa na hora a declamar um texto treinado sobre todas as suas desgraças e como isso o faz precisar de um ou dois dólares (ou euros ou a unidade do sítio onde estejam a ler isto, sejam criativos, sim?) para voltar para casa/apanhar o autocarro/comprar uma sopa, a resposta imediata seja o habitual 'desculpe, não tenho dinheiro', seguido de um dramático virar de costas e ida à nossa vida.

permitam-me discordar da atitude. permitam-me ainda tentar vender a ideia de que se aprende mais ficando do que partindo (desde que no limite do confortável, não me comecem já a chamar nomes com base em cenários que criam na vossa cabeça, estão muito reactivos hoje, vocês!).

a cantiga do bandido raramente é acompanhada de violência. a cantiga do bandido é o método mais frequentemente usado pelo tipo que precisa de esquemas por algum motivo (e não tendam a achar que é maldade ou ganância, porque às vezes é mesmo fome ou algum tipo de vício dos que moem), mas que não tem em si a maldade inerente para o roubo de esticão ou com armas, a perícia para o carteirismo ou o sangue frio para crimes de maior monta. assim, pelo menos os que são impregnados de alguma dose de criatividade, criam um cenário ou história e tentam dessa forma sensibilizar/enganar quem encontram rua fora.

as taxas de sucesso são variáveis mas cativa-me não só a criatividade como a maior ou menor qualidade de representação do burlão. como sempre tive uma espécie de íman para este tipo de situações não me é assim tão raro passar por uma destas. e durante todo o tempo em que a história se vai desbobinando dou por mim não só a gravar mentalmente todos os detalhes da história como a pensar que o mundo é um lugar terrivelmente injusto, já que há tanto tipo com tão pouca criatividade a ter tempo de antena e espaço mediático e alguns destes pobres diabos (que, sim, o poderão ser por culpa própria, mas na maior parte dos casos o são por culpa da situação em que vivem) andam a desperdiçar os seus talentos entre luvas de dedos rotos, por ruas frias de cidades cinzentas em que os corações são mais difíceis de abrir que uma lata de conserva sem abertura fácil.

Comentários

Irene Ermida disse…
Uma perspectiva curiosa! E há quase sempre uma história com pormenores singulares.

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