ela deu-me a mão e disse:
- vai correr tudo bem.
peguei na mão dela, segurei-a alto e perguntei:
- mas não vais precisar da mão para mais logo?
- não, ainda tenho a outra, podes ficar tu com essa.
- mas vê lá bem se não precisas mesmo. é uma mão tão bonita. tem as unhas pintadas e tudo. até me sinto mal de a aceitar.
- a sério. faço questão. fico com a esquerda porque sou canhota e tenho de a usar no volante, mas o meu carro é de mudanças automáticas, por isso podes ficar descansado e levar a mão direita contigo.
parti sossegado com a mão direita no bolso, meio escondida com medo de ser apanhado ao passar na segurança. dito e feito. assim que cheguei ao primeiro guarda, ele franze o sobrolho e pergunta:
- o que é que traz aí no seu bolso?
- ah, senhor guarda, isto é uma mão que me emprestaram.
- e a mão tem líquidos?
- já não, senhor guarda, tinha um bocadito de sangue, mas foi caindo pelo caminho.
- e para que é que o senhor quer essa mão?
- ainda estou a pensar nisso. comecei a escrever este texto com a ideia de usar a frase "ela deu-me a mão" e ser literal mas agora não sei bem o que fazer com ela, está a perceber, senhor guarda?
- bom, pode usá-la para muita coisa, mas talvez o melhor seja vendê-la no mercado negro.
- acha, senhor guarda? quanto é que será que me dão por ela?
- não faço ideia a quanto está o quilo de mão, de facto...
- creio que a vou trocar por meio cérebro. faz-me mais falta, tenho andado baralhado das ideias.
- porque não troca por um coração? ter dois corações pode ter muitas vantagens.
- mas assim arrisco-me a que me possam partir dois corações.
- então troque por um escudo de metal para o coração. há uns óptimos agora na loja do lince preto.
- e depois com o escudo de metal não vou ter problema a passar aqui na segurança?
- não. desde que não tenha líquidos e que descalce os sapatos, pode proteger o coração como quiser.
- muito obrigado pela ajuda, então.
- de nada, parece-me ser um plano com pernas para andar.
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