em virtude da minha migração próxima, soube hoje que o meu carro também vai migrar à sua maneira, com a minha partida.
deve ser muito mais bonito fazer-se um texto sobre carros quando se anda a conduzir um aston martin ou um lexus, mas cada um é para o que nasce e eu e o meu carro estamos assim um para o outro.
quem diz que os objectos não têm sentimentos não percebe nada disto. a fuga ao materialismo puro deve, com toda a certeza, afastar-nos de sobrepor os objectos às manifestações mais profundas da emocionalidade, mas há objectos que ganham um lugar tão especial no nosso eixo coração-mente-história. é impossível não associá-los ao nosso crescimento pessoal, às alegrias da vida, aos dias difíceis, ao lugar especial, ao lugar terrível, à chuva que inundou o para-brisas e ao sol que aqueceu o couro do volante e o fez ter aquele cheiro de pos-pôr-do-sol, que puxa apenas a condução lenta até ao quarto, por entre as pestanas cheias de sal, para um banho rápido e um encaminhar para a noite.
tal como aquele urso de peluche que nos viu chorar baba e ranho ao mesmo tempo que nos viu dar pulos de alegria com o raio do jogo d'a ratoeira no dia de natal, o carro atravessa uma fase fundamental da vida.
naquele volante não estão só os botões para mudar de estação ou aquele que faz barulho e tem um nome parecido com gambuzino. está o suor do dia de maior ansiedade. estão as lágrimas dos dias de fim de ciclo. está o quente do caminho para casa após aquele beijo. está a garra de querer fingir ser um jovem piloto de um qualquer campeonato de uma qualquer categoria, para acabar a fazer um pião parvo e pouco digno.
o pedal também não é decerto só ferro e borracha. foi pontapeado no meio da fúria. foi acariciado quando o caminho se queria mais lento para que nunca mais acabasse. foi pressionado até mais não quando a morte pareceu aparecer de repente numa beira-de-ravina, ao saltar uma cabra para o meio da estrada.
o meu carro não é só um carro. não só lá vivi, como lá morei e como lá está parte de mim, e do que eu sou. fui lá não-condutor, segundo condutor e por último condutor principal. ele também foi um privilegiado, porque calcorreou uma europa de uma ponta à outra, mas foi sempre um fiel soldado, nunca desistindo, mesmo quando maltratado.
sei que ele pode partir, mas tudo parte, até nós, porque nunca paramos no momento. reserve o futuro o que reservar, voltarei sempre com facilidade a um qualquer fim de tarde perdido nos pirinéus em que podia desligar o rádio, para ouvir o prazer de um carro em comunhão com a natureza...
deve ser muito mais bonito fazer-se um texto sobre carros quando se anda a conduzir um aston martin ou um lexus, mas cada um é para o que nasce e eu e o meu carro estamos assim um para o outro.
quem diz que os objectos não têm sentimentos não percebe nada disto. a fuga ao materialismo puro deve, com toda a certeza, afastar-nos de sobrepor os objectos às manifestações mais profundas da emocionalidade, mas há objectos que ganham um lugar tão especial no nosso eixo coração-mente-história. é impossível não associá-los ao nosso crescimento pessoal, às alegrias da vida, aos dias difíceis, ao lugar especial, ao lugar terrível, à chuva que inundou o para-brisas e ao sol que aqueceu o couro do volante e o fez ter aquele cheiro de pos-pôr-do-sol, que puxa apenas a condução lenta até ao quarto, por entre as pestanas cheias de sal, para um banho rápido e um encaminhar para a noite.
tal como aquele urso de peluche que nos viu chorar baba e ranho ao mesmo tempo que nos viu dar pulos de alegria com o raio do jogo d'a ratoeira no dia de natal, o carro atravessa uma fase fundamental da vida.
naquele volante não estão só os botões para mudar de estação ou aquele que faz barulho e tem um nome parecido com gambuzino. está o suor do dia de maior ansiedade. estão as lágrimas dos dias de fim de ciclo. está o quente do caminho para casa após aquele beijo. está a garra de querer fingir ser um jovem piloto de um qualquer campeonato de uma qualquer categoria, para acabar a fazer um pião parvo e pouco digno.
o pedal também não é decerto só ferro e borracha. foi pontapeado no meio da fúria. foi acariciado quando o caminho se queria mais lento para que nunca mais acabasse. foi pressionado até mais não quando a morte pareceu aparecer de repente numa beira-de-ravina, ao saltar uma cabra para o meio da estrada.
o meu carro não é só um carro. não só lá vivi, como lá morei e como lá está parte de mim, e do que eu sou. fui lá não-condutor, segundo condutor e por último condutor principal. ele também foi um privilegiado, porque calcorreou uma europa de uma ponta à outra, mas foi sempre um fiel soldado, nunca desistindo, mesmo quando maltratado.
sei que ele pode partir, mas tudo parte, até nós, porque nunca paramos no momento. reserve o futuro o que reservar, voltarei sempre com facilidade a um qualquer fim de tarde perdido nos pirinéus em que podia desligar o rádio, para ouvir o prazer de um carro em comunhão com a natureza...
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