quem seja honesto não pode dizer que se lembra muito bem dos cerca de nove meses que passou dentro de uma barriga, refastelado no conforto do quentinho e amortecido de todos os males do mundo, mas ao mesmo tempo alheio a todas as maravilhas que ele tem para oferecer. passado esse tempo, levamos todos uma espécie de cartão vermelho, com direito a expulsão. mas expulsão das boas, porque em vez de ir tomar banho mais cedo para o balneário, saímos para a terra dos arco-íris, pores-do-sol e florestas de sequóias gigantes.
não faz mal não nos lembrarmos desses nove meses, porque a vida se encarrega de nos fazer sentir repetidamente a mesma sensação. o que eram úteros passam a ser grupos, o que era líquido amniótico passam a ser amigos e aqueles vasos que nos traziam nutrientes passam no fundo a ser a intensidade da vida que vivemos.
ontem, hoje e amanhã, acabamos por criar um determinado grupo, com o qual nos identificamos, criamos laços fortes, temos uma rede forte, quase sem buracos à vista, e a vida logo se encarrega de nos fazer ter de mudar de rumo, mudar de sítio, e recomeçar tudo de novo. mais uma vez perdemos o conforto, o amortecimento, a tranquilidade do conhecido.
a cada novo parto, damos um salto no desconhecido, para dentro daquele poço negro cujo destino é uma incógnita. sendo português, tenho a habitual nostalgia que nos está tatuada nos genes.
passo estas últimas horas nos sítios que me viram crescer. olho para a árvore do jardim que trepei com cinco anos, para o pátio da minha escola primária, para os ferros do gradeamento da preparatória e da secundária e para a estátua do sousa martins em frente à faculdade. finto as árvores e esplanadas de picoas, as janelas em andares altos que me dão sempre lisboa a ver, a feira do livro onde já fui tão feliz parece dizer-me um adeus e a minha varanda em santa apolónia fica meio amuada com a partida.
o bom disto tudo é que, apesar de estarmos sempre a nascer de novo, não nos apagam a memória a cada novo parto. por isso ficam muito fortes as pessoas que nos unem, são o nosso suporte constante, e qualquer que seja a rede construída, são esses que funcionam como pilares inegáveis da nossa personalidade única e inclonável.
se ser português é ser nostálgico e escrever todas estas "potencialmente-interpretáveis-como" lamechices, também é ao mesmo tempo saber que os mesmos genes estão tatuados com a vontade de embarcar nestas caravelas de agora, com duas asas e uma cauda, e tentar provar por esse mundo fora que nós somos muito mais do que aquele sítio simpático onde os peixes se comem envoltos em sal e as mulheres usam muitas saias.
por isso, parto. mais um. mais uma vez. não troco dias por noites, nem europas por américas. quero tudo. ao mesmo tempo. parafraseando as palavras ditas pela voz da fergie, o que não pensei jamais vir a fazer, em relação a viver a vida do modo mais intenso possível, apenas tenho a dizer que "i'm addicted, and i just can't get enough".
até já!
(texto escrito na véspera da viagem transatlântica)
não faz mal não nos lembrarmos desses nove meses, porque a vida se encarrega de nos fazer sentir repetidamente a mesma sensação. o que eram úteros passam a ser grupos, o que era líquido amniótico passam a ser amigos e aqueles vasos que nos traziam nutrientes passam no fundo a ser a intensidade da vida que vivemos.
ontem, hoje e amanhã, acabamos por criar um determinado grupo, com o qual nos identificamos, criamos laços fortes, temos uma rede forte, quase sem buracos à vista, e a vida logo se encarrega de nos fazer ter de mudar de rumo, mudar de sítio, e recomeçar tudo de novo. mais uma vez perdemos o conforto, o amortecimento, a tranquilidade do conhecido.
a cada novo parto, damos um salto no desconhecido, para dentro daquele poço negro cujo destino é uma incógnita. sendo português, tenho a habitual nostalgia que nos está tatuada nos genes.
passo estas últimas horas nos sítios que me viram crescer. olho para a árvore do jardim que trepei com cinco anos, para o pátio da minha escola primária, para os ferros do gradeamento da preparatória e da secundária e para a estátua do sousa martins em frente à faculdade. finto as árvores e esplanadas de picoas, as janelas em andares altos que me dão sempre lisboa a ver, a feira do livro onde já fui tão feliz parece dizer-me um adeus e a minha varanda em santa apolónia fica meio amuada com a partida.
o bom disto tudo é que, apesar de estarmos sempre a nascer de novo, não nos apagam a memória a cada novo parto. por isso ficam muito fortes as pessoas que nos unem, são o nosso suporte constante, e qualquer que seja a rede construída, são esses que funcionam como pilares inegáveis da nossa personalidade única e inclonável.
se ser português é ser nostálgico e escrever todas estas "potencialmente-interpretáveis-como" lamechices, também é ao mesmo tempo saber que os mesmos genes estão tatuados com a vontade de embarcar nestas caravelas de agora, com duas asas e uma cauda, e tentar provar por esse mundo fora que nós somos muito mais do que aquele sítio simpático onde os peixes se comem envoltos em sal e as mulheres usam muitas saias.
por isso, parto. mais um. mais uma vez. não troco dias por noites, nem europas por américas. quero tudo. ao mesmo tempo. parafraseando as palavras ditas pela voz da fergie, o que não pensei jamais vir a fazer, em relação a viver a vida do modo mais intenso possível, apenas tenho a dizer que "i'm addicted, and i just can't get enough".
até já!
(texto escrito na véspera da viagem transatlântica)
Comentários
vira-nos do avesso,faz de nós gato-sapato, coloca-nos na corda-bamba,faz-nos questionar tudo...
E depois?
Esse é o grande mistério!
O verdadeiro e mais delicioso desafio: Viver sem rede.
Beijinhos
Vanessa F.