os rodados marcados na terra são sempre a prova do que por ali passou. paro sempre para inspeccionar provas do tempo, recente ou passado. fósseis de caracol ou rodados de jipe também fazem parte do adn de um lugar, provavelmente bem mais que as coordenadas dadas por satélite.
inventam-se aparelhos que dão (dizem eles) com uma precisão de milímetros a localização de um ponto na terra. irónico como há tanta precisão para definir onde estamos e tão pouca para perceber quem somos, de onde viemos e para onde vamos. talvez sejam idiossincrasias de domingo à tarde com sol, doce luz a encher-me os olhos e vida a correr-me nas veias.
prendi-me há pouco por momentos nos olhos de um animal que claramente ficou surpreendido com a minha investigação. quer-me parecer que vive ali naquele local, que a sua vidinha passa por aquele parque, pedindo emprestado, sem prazo de devolução, uma ou outra dádiva dos turistas que se sentam na esplanada depois de uma manhã de jardim botânico. na sua postura de carteirista da vida não olha as vítimas nos olhos, pegando no troféu e afastando-se para os seus vegetálicos aposentos arbustados de privacidade. pedi-lhe os olhos. tentou fugir como quem não se quer comprometer. conversámos durante uns bons minutos e acabou por ceder. e nos olhos consegue-se ler tudo. os olhos deviam trazer isbn e código de barras porque nunca vi outro lugar nos animais (de duas, quatro, oito patas, as que vos apetecer...) que fale tanto, ainda que sem sair do silêncio.
perdido na salada de palavras e vida, que ali estavam contidas, sorri. depois fiz-lhe uma festa, ronronei por vê-lo ronronar, espreguicei-me, esse acto de esgar de vontade e levantei-me para continuar o meu caminho. ele ficou parado, a olhar-me, cá para mim a tentar perceber quem é vítima e ladrão no meio desta história toda.
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