basta-me uma questão de segundos com os olhos postos numa imagem do passado para um sorriso me invadir a cara com aquela intensidade com o que sol invade os poros da pele num dia de verão.
a fotografia mostra-me um eu vinte e cinco anos menos atacado pelo tempo, com um sorriso ao mesmo tempo inocente e despreocupado de quem tem toda a vida pela frente e um nível de responsabilidade mais pequeno do que uma abelha numa colmeia.
o tempo não só muda as cores (impressionante como a resolução e o digital mudaram o modo como gravamos o presente à medida que deixa de ser passado) como deixa a descoberto todas as ironias e sinais que jamais pensámos ser possível existir.
por trás da criança, que eventualmente pensava em mil histórias para a sua colecção de playmobil e legos, está nublado, mas visível, um lugar onde vinte anos mais tarde a criança ia pôr os pés com uma bata branca, um estetoscópio, e o desejo de cumprir um sonho surgido pouco tempo depois da captação do momento. ainda mais atrás, imponente, há um sinal de betão da rua onde a não-criança se emanciparia para o mundo e viveria sozinho pela primeira vez.
podia a coincidência ter posto ainda no terço superior da imagem um avião, como símbolo tão adequado do desejo de conhecer o mundo e de partir à descoberta do que há para descobrir dentro de batas brancas e tanto, ou ainda mais, do que há fora delas.
o mundo pode ser um lugar estranho, mas enquanto continuarmos a imaginar mil histórias, sejam para a colecção de playmobil e legos, numa primeira fase, ou para adultos de carne e osso, mais tarde, reforço o sorriso que me invade a cara e continuo com vontade de invadir muitas outras caras com um sorriso igual.