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circo de pulgas

sentado num banco, fisicamente parado, mas com a cabeça em turbilhão, observo o mundo a girar à minha volta, perdendo-me nos milhões de histórias possíveis para os milhões de pessoas que vão passando. são muitas as combinações possíveis. tantas, tantas, que até são mais arranjos que combinações (sim, tinha esta pérola de matemática do décimo segundo ano guardada para usar num qualquer texto de futuro).

aquele senhor todo bem posto, engravatado, dá ar de empresário de razoável sucesso, encaminhando-se para mais uma reunião, onde se vai conversar muito e decidir pouco. estabelecer muitas colaborações. criar muitas pontes. desenvolver muitas ideias. homogeneizar pontos de vista. quando sair de lá, perceberá que ficou tudo na mesma. como em noventa e nove vírgula nove por cento das reuniões. por trás da imagem de empresário de pseudo-sucesso imagino os vícios e desvios de personalidade deste alguém...

perante a sociedade cada um mostra a face que consegue construir. sendo mais habilidoso, talvez consiga até mostrar a face que realmente quer mostrar. mas o conflito na parte considerável do iceberg é bem mais vasto do que isso. a repressão das emoções primárias não significa que elas não estejam lá. assim, o fulano engravatado, que vai para a reunião, pode perfeitamente ter o desejo secreto de atropelar pessoas, avenida fora, a um sábado de manhã. ou de se encher de maquilhagem às sextas à noite e ficar em casa sozinho a cantar maria callas.

e sinceramente, a história dos pensamentos viciados e das emoções reprimidas... é tão, mas tão tão tão mais interessante quando comparada com a história do quotidiano chato, repetitivo e desinteressante da maior parte dos bocados de carne com quatro membros e cabeça agarrados. no mínimo curioso, porque o conhecimento dos armários desta gente podia revelar-nos um interesse que de outra forma será totalmente inexistente.

o tipo foi-se embora. em passo acelerado. a reunião vai começar. dou-me ainda ao luxo de imaginar que tropeça à entrada da sala de reunião. que sua que nem um suíno (deve ser por isso que as palavras parecem etimologicamente primas uma da outra, verbo e substantivo) com a ansiedade e molha de cloreto de sódio as mãos dos outros participantes. enquanto lhe vão falando de outsourcing, benchmarking e downsizing, ele vai imaginando no fundo do seu ser que podia pendurar todos aqueles indivíduos por um gancho, de pernas para o ar, e desenhar hieroglifos nas suas peles, com uma faca de cortar presunto. fininho.

sei que a minha imaginação é tendencialmente demasiado fértil. mas no meu circo de pulgas, sou eu que mando na história. e só vai ao espectáculo quem quiser. o bilhete até é de borla.

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