escrever sobre a morte é consideravelmente mais difícil do que escrever sobre a vida. não que tenha pejo em fazê-lo. já o fiz algumas vezes e continuarei a desafiar a ausência de vida com os mesmos pincéis com que devoro a presença explosiva da mesma.
creio que o ponto mais sensível em relação à morte é tentar perceber o limbo final. entre os crentes, os não-crentes, os anti-crentes e os pseudo-crentes, ninguém se decide se afinal há um túnel, com ou sem luz lá no fim. não há consenso em relação a elevadores com dupla direcção nuvens-centro da terra. não há memória fotográfica de prados verdes com gente vestida de branco (por acaso, não sei porque é que a imagem de céu das pessoas é uma espécie de sensation white gigante... será que o tiesto e o armin van buuren têm lugar garantido no céu à custa dessa brincadeira?). nem tão pouco de grutas profundas, com rios de fogo e seres vestidos de vermelho e preto, com corninhos, caudas pontiagudas e tridentes. se bem que neste último estou mais a imaginar o tom waits e os prodigy em mash-up e a ideia é mais agradável do que milhares com ar celestial a dançar por montes verdes fora e a ouvir o "in and out" mas tocado numa harpa...
gil scott heron era um poço de talento. talvez não reconhecido por todos (gostos não se discutem), mas um daqueles artistas que não precisam de qualquer adereço ou ajuste de equalizador no photoshop das melodias. scott heron era em primeiro lugar um poeta. um excelente poeta. a música era "apenas" o veículo dessa sua forma de expressão. deixo-vos, em palavras do próprio, a perfeita lucidez com que ele imaginava o momento da morte. que chegou para ele, como chega para todos. mas nalguns casos chega mesmo cedo demais...
" Standing in the ruins of another black man's life
Or flying through the valley separating day and night
"I am death!" cried the vulture for the people of the light
Karon brought his raft from the sea that sails on souls
And saw the scavenger departing, taking warm hearts to the cold
He knew the ghetto was a haven for the meanest preacher ever known
In the wilderness of heartbreak and a desert of despair
Evil's clarion of justice shrieks a cry of naked terror
Taking babies from their mamas, leaving grief beyond compare
So if you see the vulture coming, flying circles in your mind
Remember there is no escaping for he will follow close behind
Only promise me a battle, battle for your soul and mine
And mine "
poema retirado do videoclip de "Me and the Devil"
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