Avançar para o conteúdo principal

No meu tempo só as varinas

“Calçado sem tacão, para uso doméstico” diz o meu dicionário. Mas este é ainda uma primeira edição dos anos sessenta, herdada do meu pai, e o seu autor teria, muito provavelmente, de alterar esta definição, hoje tão desapropriada e ofensiva para as tias com nomes pomposos de consoantes duplas que aparecem na revista Caras (algumas quem as conhece?) e para a escandalosa quantidade de mulheres que as imita e invade as sapatarias em busca da nova moda – o chinelo.

Da praia para as festas e da intimidade do lar para o emprego, vestidas a rigor com a última criação de Tenente ou envergando um fato mais modesto comprado no pronto-a-vestir do bairro, o que parece indispensável é que o calçado faça tac-tac quando se sobem escadas e que os calcanhares estejam sempre bem polidos (rentável, sem dúvida, para as drogarias de esquina que não vendiam pedra-pomes há anos). “No meu tempo só as varinas usavam chinelos na rua”, diz a minha mãe. Nos dias que correm são médicas, professoras, jornalistas, cabeleireiras, vendedoras ambulantes, mulheres que nada fazem (leia-se Lili Caneças e afins)…
As modas vão mas mantêm-se as atitudes. É que quando a chinela desaparecer, pessoas que arrastam os chinelos nos mais diversos empregos não passarão, certamente, de moda!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

À terceira é de vez!!!

Como tenho muita lata... este post é na linha de dois recentes... (um deles mesmo recentíssimo, o meu último) e trata da adaptação, não de séries (porque somos muito oranginais por estas bandas e isso depois na verdade tornar-se-ia repetitivo... quer dizer... até parece que assim não...), mas sim de filmes estrangeiros, para português. São novidades muito secretas e portanto só espero que tenham bastante cuidado na divulgação das mesmas (ao dizer isto espero que as publicitem, bem como a vinda aqui ao meu "little corner", numa jogada minha à laia d'"o fruto proibido é o mais desejado"). - Tó Pegane : história de um filho de uma ex-emigrante "na França" (daí a sempre típica mescla do nome António com o Pegane do francês com quem a senhora se casou). O rapaz entra para a Força Aérea, e depois há para lá umas intrigas. Ah! Na cena mais espectacular do filme, Tó Pegan faz um cozido à portuguesa, utilizando para aquecimento dos ingredientes a barriga...

na moda

Está na moda escrever sobre o amor. O truque é pintar o dito de lugares comuns e adornar o produto final com duas ou três asneiras das pesadas para emanar pseudo-rebeldia. O conjunto de palavras é tão bonito e tem uma força tão positiva que o que está mesmo a pedir é para ser posto num rectângulo, acompanhado de uma imagem do pôr-do-sol/paisagem verdejante/gatinhos/silhueta de um ou dois corpos (riscar o que não interessa) e feito, está pronto a sair do forno para esse sufrágio universal que são as redes sociais. Está na moda gostar dessa visão do amor. Que tenta copiar alguns traços dos mestres mas que os copia mal e porcamente, borra a tinta toda, mas encontra destinatários com a visão tão baça que nem dão por isso. Dantes havia o condão de ficar preso às letras do Shakespeare, do James, do Cummings e de tantos outros. Todos eles vieram por aí fora, ainda há bem pouco tempo dava para jogar à macaca com o Cortázar, mas está tudo a trocar a macaca por meia dúzia de macacos, que ap...

Sliding Doors

Assim que abriu a porta sentiu o cheiro do perfume dela. As moléculas atravessavam todos os recantos da sala, saltavam do pescoço dela, atravessavam as partículas feitas do mesmo pó que as estrelas, para se irem alojar nos sensores olfactivos do seu nariz, refinados durante anos para saber distinguir o agradável do nauseabundo, bem como tudo o que está pelo caminho. Os cabelos dela brilhavam como se tivessem sido tocados pelo Rei Midas. Deslizavam pelas costas, lembrando-lhe a cor com que fica a encosta inclinada de uma montanha naquele lusco-fusco que se precipita ao pôr do sol. O nariz dela tinha as proporções perfeitas de uma rainha do século XVIII e era empinado o suficiente para lhe dar o ar de quem sabe por onde vai. Os seus olhos estavam, com certeza, nos lugares cimeiros da lista dos olhos mais bonitos do mundo. Tinham tanta vida, pensou ele, eram da cor que resultaria do acasalamento do azul turquesa com aquele verde dos lagos da Croácia. ...