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a toupeira-com-asas

um dia sentei-me num precipício cujo fundo era o centro da terra ou ainda mais longe do que isso.

apenas para contemplar o tipo de criaturas que conseguem ir e vir entre as várias camadas da terra, sem ter de comprar bilhete em nenhum comboio ou arranjar asa-delta de aluguer. percebi que o ser mais sortudo de todos era a toupeira-com-asas.

a toupeira-com-asas tem múltiplas qualidades. consegue voar, o que lhe permite correr vales e montes e mais vales e descer por precipícios e voltar com algum prémio guardado entre os dentes. ao mesmo tempo a toupeira-com-asas pode a qualquer momento mergulhar na terra e ir furando caminhos até onde bem lhe apetecer. deve usar isto muito mais para fugir ao trânsito do que para roubar cenouras a agricultores, não sei de onde lhe vem a má fama.

embora a toupeira-com-asas não seja bela, não há bela sem senão. pus-me a pensar quão estranho seria uma toupeira com asas chamada toupeira-com-asas ter a mania de que é tão superior só porque pode a qualquer altura voar ou tornar o meio do planeta uma espécie de queijo suíço. é que eu não consigo fazer nenhuma das duas, pelo menos sem a ajuda de um para-quedas ou de uma picareta, portanto fiquei mesmo no limite de amuar, até já com um dos pés para lá do limite.

depois lembrei-me que a toupeira-com-asas não consegue ver. de que lhe serve voar sobre os mais altos montes ou chegar ao fundo do manto vulcânico se lhe falta a leica mental para guardar essas imagens e pintá-las na memória com guaches de muitas cores? porque a vida é como uma boa peça de fruta... por melhor que seja a aparência da primeira vista, o que importa é o sabor e a textura do que lá vem dentro.

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