Avançar para o conteúdo principal

Tempo



Não fujas. Temos tempo.

O sol ainda vai alto. Vês como faz sombras com os teus cabelos? Ficam pequenos caminhos espalhados na areia, que não sabem bem a quem pertencem. Nada na areia sabe bem a quem pertence. É umas vezes do mar. Outras vezes da terra. Outra vez da família que traz frango assado com batatas fritas pala-pala. Do casal de namorados que se oscula enquanto o dia cai. Do solitário que olha o horizonte em busca da fuga para a solidão.

Uma gaivota. Não há tempestade no mar. Que raio faz este bicho em terra? Há tempestade talvez nas nossas almas, no vórtice de alegria, felicidade e medo do que vem. Mas no mar nada. A calma de um fim de tarde perfeito, com a brisa que lembra o que move o mundo, as estações, os projectos, os sonhos, o futuro.

Não sei ver horas. Sei contar quantas vezes o sol se põe e aparece de novo. Sei que vem do Japão. Sei que vai para Nova Iorque. O número de vezes que ele vem do Japão e que vai para Nova Iorque diz-me quantos dias passaram. O resto não me interessa. A convenção destrói o belo e destrói a nossa faceta pre-histórica, a nossa ligação ao primata que se levantou para ver melhor o mundo.

Corre. Adoro correr atrás de ti. Mas não fujas. Temos tempo.

Comentários

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

Mensagens populares deste blogue

À terceira é de vez!!!

Como tenho muita lata... este post é na linha de dois recentes... (um deles mesmo recentíssimo, o meu último) e trata da adaptação, não de séries (porque somos muito oranginais por estas bandas e isso depois na verdade tornar-se-ia repetitivo... quer dizer... até parece que assim não...), mas sim de filmes estrangeiros, para português. São novidades muito secretas e portanto só espero que tenham bastante cuidado na divulgação das mesmas (ao dizer isto espero que as publicitem, bem como a vinda aqui ao meu "little corner", numa jogada minha à laia d'"o fruto proibido é o mais desejado"). - Tó Pegane : história de um filho de uma ex-emigrante "na França" (daí a sempre típica mescla do nome António com o Pegane do francês com quem a senhora se casou). O rapaz entra para a Força Aérea, e depois há para lá umas intrigas. Ah! Na cena mais espectacular do filme, Tó Pegan faz um cozido à portuguesa, utilizando para aquecimento dos ingredientes a barriga

na moda

Está na moda escrever sobre o amor. O truque é pintar o dito de lugares comuns e adornar o produto final com duas ou três asneiras das pesadas para emanar pseudo-rebeldia. O conjunto de palavras é tão bonito e tem uma força tão positiva que o que está mesmo a pedir é para ser posto num rectângulo, acompanhado de uma imagem do pôr-do-sol/paisagem verdejante/gatinhos/silhueta de um ou dois corpos (riscar o que não interessa) e feito, está pronto a sair do forno para esse sufrágio universal que são as redes sociais. Está na moda gostar dessa visão do amor. Que tenta copiar alguns traços dos mestres mas que os copia mal e porcamente, borra a tinta toda, mas encontra destinatários com a visão tão baça que nem dão por isso. Dantes havia o condão de ficar preso às letras do Shakespeare, do James, do Cummings e de tantos outros. Todos eles vieram por aí fora, ainda há bem pouco tempo dava para jogar à macaca com o Cortázar, mas está tudo a trocar a macaca por meia dúzia de macacos, que ap

Reset

00:00 Os números piscavam a vermelho no fundo escuro. O escuro era da noite por fora, por dentro a culpa não era da noite. Ou então era de noite também por dentro. Dentro da cabeça uma pulsação contínua, um incessante martelar, uma inequívoca prova de vida e um considerável incentivo à morte. O dia rodava dentro da caixa craniana a uma velocidade superior àquela com que camisolas, calças e roupa interior dançam dentro da máquina de lavar roupa. As ideias misturavam-se de tal modo que apenas se conseguia lembrar da receita de um bolo. As preocupações de ontem a fazer de farinha, o que de novo aconteceu nesse dia mascarado de fermento, todos os planos para amanhã e depois com cara de ovos acabados de deslizar casca fora. E a vida, essa batedeira eléctrica de último modelo, a tratar de misturar tudo com a pressa de quem tem fome e gulodice. Sorriu no escuro e sentiu felicidade por sentir os músculos da face a relaxar. Uma das melhores coisas que o sorriso tem é a capacidade de pôr as