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A mostrar mensagens de 2012

ainda sobre o fim do mundo

breaking news: o mundo não acabou.

começo a desiludir-me com o mundo. primeiro descubro a falcatrua do pai natal (deixemos assim para que as crianças pensem que foi um escândalo de lavagem de dinheiro), de seguida explicam-me que não há glutões que limpem as nódoas da roupa e em cima de tudo isto, fazendo de cereja podre no topo do bolo passado de prazo, descubro que as previsões sobre o fim do mundo afinal não se cumpriram. com a agravante de já não ser a primeira vez que isto acontece. parece-me claro, e vários estudos mostram (daqueles científicos, tão científicos que até se usam balões de vidro e sai fumo e coisas dessas upa upa) que isto não passa de uma enorme conspiração montada entre os vendedores de lanternas e de latas de conserva para melhorar as vendas de tempos a tempos. a verdade é que o mundo de facto hoje acabou. para muitos. como acaba todos os dias. desceram à terra, subiram ao vento, começam agora a decompôr e a obedecer ao milagre da multiplicação dos átomos e das moléculas. que quais peças de

a liberdade da prisão

acendeste o cigarro e por trás de ti tocavam os stones, a dizer que mem sempre consegues tudo aquilo que queres. mal sabiam eles, pensei eu, que nunca se perderam nos teus cabelos, que nunca moraram nos teus olhos e que nunca navegaram no teu pescoço. comparei a tua luz com a que vinha do tecto. comparei o calor do teu peito com o calor da ponta do cigarro. ficavas sempre a ganhar. eras rainha de copas num baralho só de dois de paus e eu rendia-me à minha simplicidade de ser sempre joker neste mundo pouco preparado para trazer os jokers a jogo. quando sorrias, o espaço à volta parecia ter sido vítima de uma bomba de neutrões, e sabes como eu sempre me perdi irremediavelmente por sorrisos devastadores. sorrisos daqueles que te fazem viajar em segundos da porta de casa à porta do comboio de um país distante. que trazem canela, açafrão, gengibre, não em pó, mas sim disfarçados nas pequenas covas que o canto dos teus lábios definia. contemplava-te como um quadro, pintava-te como se

o espírito da época

é bonito e popular chegar a um ou dois meses do natal e lembrar o ' espírito da época '. não contrariando essa ideia, eu sempre fui mais defensor de transformar o espírito da época em época do espírito. sei que o natal está pensado para nos fazer sentir melhor. dar e receber presentes passa por aí. o prazer e alegria de rasgar papel e desfazer laços. a expectativa de encontrar um sorriso e um ar de satisfação em quem recebe o que comprámos para oferecer. o problema destas vontades é quando elas são passageiras e instituídas. durante todo o ano fazemos coisas bem e mal. durante todo o ano somos boas e más pessoas. durante todo o ano nos arrependemos de coisas que fazemos, que não fazemos e que nos fazem. e trabalhamos, ou devíamos trabalhar, constantemente, sem rendição para construir um ser humano melhor. não me preocupa que as pessoas tenham tendência a ser boas nesta altura do ano. preocupa-me que durante o resto do ano, e sobretudo nos detalhes que prendem a existência

perguntas e respostas (em inglês Q & A é mais chique)

duvido que os interlocutores se entendam sempre. duvido que alguma vez tenham conseguido o equilíbrio perfeito, mas cada vez estamos pior. isto porque vivemos no tempo do imediato, do agora, onde o que acontece vale mais do que o que aconteceu e quando muito pode ser ponte para o que ainda vai acontecer. a densidade das coisas tem a mesma solidez das moléculas de água no momento imediatamente anterior à evaporação. na terra das importâncias passageiras as perguntas e respostas são das que mais sofrem com isto. sempre reflecti bastante (mas depois adormeço e tenho de voltar ao início) sobre o porquê de fazer perguntas quando não se quer respostas. basta ligar num qualquer telejornal (vejam um filme de terror ou comam uma peça de fruta, que vos faz melhor) para questionar o real interesse por trás de cada questão. sim, entendo que não haja tempo (ó deuses do olimpo! que sempre arranjaram tempo para tudo e agora não há tempo para nada, ainda que na verdade não haja falta de te

a inspiração adora jantar com notas musicais

ainda estou para saber quem decidiu que o sexto sentido feminino é a intuição. e também ainda estou para saber quem é que deixou um saco de lixo à porta do elevador do meu prédio. mas hoje preocupa-me mais saber quem se meteu nessas andanças de achar que percebia o que ia para lá dos cinco sentidos. sempre adorei o sexto sentido feminino mas nunca desvalorizo os seus outros cinco, habitualmente astutos que nem o animal selvagem que todos somos (ou sabemos ser). uma das coisas mais fascinantes dos sentidos é virem de origem como uma espécie de naipes de jogo de cartas. existem todos isolados, mas (em certos jogos, vá, não quero irritar nerds das cartas ou idosos que passam as tardes no jardim), atingem a sua beleza máxima quando formam  uma equipa e quando o seu conjunto representa mais que a soma das partes. claro que o maestro desta orquestra está lá para os lados onde o descartes achava que a alma e a razão se encontravam. mas, como em tantas outras coisas, este maestro não tra

as coincidências estão para a vida como o fermento para os bolos

basta-me uma questão de segundos com os olhos postos numa imagem do passado para um sorriso me invadir a cara com aquela intensidade com o que sol invade os poros da pele num dia de verão. a fotografia mostra-me um eu vinte e cinco anos menos atacado pelo tempo, com um sorriso ao mesmo tempo inocente e despreocupado de quem tem toda a vida pela frente e um nível de responsabilidade mais pequeno do que uma abelha numa colmeia. o tempo não só muda as cores (impressionante como a resolução e o digital mudaram o modo como gravamos o presente à medida que deixa de ser passado) como deixa a descoberto todas as ironias e sinais que jamais pensámos ser possível existir. por trás da criança, que eventualmente pensava em mil histórias para a sua colecção de playmobil e legos, está nublado, mas visível, um lugar onde vinte anos mais tarde a criança ia pôr os pés com uma bata branca, um estetoscópio, e o desejo de cumprir um sonho surgido pouco tempo depois da captação do momento. aind

toda uma espécie de arco-íris

entrou no café com o ar desafogado de quem não vive debaixo da água que o mundo quer à força impor. o seu casaco verde alface podia ser uma peça de artista da última colecção de moda, vendido pelos melhores estilistas custando o mesmo que custa uma casa em mais de oitenta e três por cento do mundo. não era o caso. era só um casaco, comprado de entre tantos outros, perdido num qualquer armazém de uma grande superfície, recolhido por força de um desconto apetecível e de uma vontade de estrear algo que chocasse com a força da luz. o quadro ficava completo com umas calças amarelo torrado e uns sapatos que pareciam ser reciclados de um disco de vinil. um disco de vinil a tender para o grená, vá. a minha primeira impressão foi que a bandeira do brasil tinha acabado de ganhar pernas e braços e decidido entrar café dentro numa súbita e inesperada publicidade turística. não era o caso. vi que a pretensa bandeira tinha o cabelo grisalho dos oitenta/noventa anos. debaixo do festival de cor

revisão da matéria dada

é praticamente universal o estudo dos fenómenos da natureza enquanto parte dos currículos escolares (pelo menos nos sítios que possam ter um currículo escolar não creacionista). numa fase em que a formação da personalidade está em pleno ponto de ebulição, somos sujeitos a explicações, sucintas ou extensas, sobre o porquê de a natureza ser o que é e funcionar como funciona. ensinam-nos, assim, como funcionam as rodas dentadas e os ponteiros deste relógio que todos habitamos. tal como num relógio suíço, o cerne da questão não se limita à máquina. (tantas piadas que se podiam inserir aqui envolvendo cern e suíça. mas depois achavam-me demasiado nerd e não posso correr esse risco, já gastei os meus créditos da vossa bondade ao usar um advérbio de modo logo no início do parágrafo anterior). o que não vem nos livros, pelo menos nos da escola, é que temos de aprender a respeitar a força e a história por trás da máquina. um relógio suíço (dos originais, dos feitos à mão, dos que são caros

o porquê de não sair da idade dos porquês

a hora da morte. quem trabalha num hospital sabe bem o que isso significa. quem vê séries sobre o que se passa num hospital fica mal informado a respeito de muita coisa mas nesse aspecto não é totalmente desinformado. há de facto que declarar uma hora para a morte biológica. exacta. aproximada. depende. mas o mundo adora etiquetas e a hora da morte tem de ser mais uma. o peso carregado pela morte biológica é inexcedível. milénios de tradições e crenças, mais ou menos adaptadas, reflectem sobre a morte, sobre o que se deve seguir a curto prazo, sobre o que se vai seguir a longo prazo, sobre o modo de celebração ou luto. que são conversas para outro dia. preocupa-me que se questione pouco a morte não-biológica. vivemos numa sociedade que tem um íman cada vez mais potente para tratar disso mais cedo. na minha humilde opinião a morte não-biológica chega no dia em que deixamos de perguntar porquê. a questão não deve perturbar a delícia, deve inversamente melhorar a sua e

filtro para extremos

sei que o ditado diz que os extremos se tocam. isso é aplicável na política, na opinião em geral, nos clubismos ou até no protesto perante o tempo, tanto o que passa como aquele outro que teima em fazer nuvens e largar água e coisas dessas. tirando a vontade extrema de viver e de tudo experimentar, nunca consegui perceber o apelo pelo extremo. ainda mais difícil é perceber quem está nos extremos e não se apercebe de que vive com duas palas asininas, perdento tanto e ganhando tão pouco. a pluralidade de opiniões, e de perspectivas sobre tudo o que o mundo nos oferece, é das coisas que mais aprecio. gosto de discutir com gente que pensa como eu mas ainda mais de discutir com gente que não pensa como eu. aprendo sempre tanto ou mais do que quando debato com quem tem o compasso nas mesmas linhas que as minhas, porque sair da zona de conforto ensina e flexibiliza. os tempos negros que vivemos, e as dificuldades que atravessamos, deviam ser precisamente o tempo ideal para compreender q

encontros passageiros

passamos pela vida tão tão passageiramente que me pergunto porque damos o valor que damos ao definitivo? quando passamos as horas e os dias na ânsia do amanhã temos tendência a não conseguir brincar com o presente nem rir sobre o passado. é como se tivéssemos uma caixa cheia de legos de várias cores, tamanhos e formas, e não a despejássemos no chão do quarto para umas boas horas de brincadeira já a pensar no calvário (que não antónio) que será arrumar tudo de novo na caixa no final. não é isto uma ode anti-definitivo. há coisas definitivas que são boas, estão provavelmente na fundação do prédio que acabamos por ser (ou que achamos ser e que acreditamos ter fundações). mas se o prédio tem de ter uma estrutura que resista a ventos e tempestades, os inquilinos ou a decoração das paredes pode (deve?) variar para não se eternizar uma renda que nem actualizada pode ser porque assim ficou acordado há muitos anos. o encontro passageiro e inesperado é muitas vezes o catalizador do brilho no

meu filho, nasceste para isto

a NBC ter um tipo chamado Bob Costas como jornalista responsável pela natação é no mínimo épico . espero rapidamente que arranjem um José Roda para cobrir o ciclismo e uma Manuela Peso para ver como anda a halterofilia .

sobre decadência

a observação da decadência de um ser vivo traz sempre consigo o peso de não sabermos lidar bem com as descidas . por mais que nos afirmemos corajosos e tentemos fingir que todas as coisas têm um ciclo natural a percepção do ciclo não significa que o mesmo passe a doer menos . tenham um bom dia e aproveitem a vida, porque ela passa mais rápido do que num ápice .

a ditadura dos números

o mundo mudou. só importam os números e as pessoas ficaram para segundo plano, perdidas entre ambições que lhes foram vendidas e que nem sequer sabiam que tinham mas que afinal têm e têm mesmo de lutar por aquilo que há meia hora nem sabiam que existia mas que agora é crucial. quase tão crucial como eu ter usado mais vírgulas na frase anterior, mas todo eu sou a favor de se ficar sem fôlego. o mundo é dos números. por isso não te admires que um dia destes me apaixone pela perna do teu sete.

a página em branco

a página em branco e o cursor a piscar são vendidos ao mundo como sinónimo da desgraça de quem escreve. isso mostra bem como o mundo anda sempre tão dedicado na perseguição da quantidade e tão distraído na aplicação de crivos de qualidade. nas minhas visitas, muito selectivas, pela blogosfera, encontro tantas vezes tanto em tão pouco e outras vezes tão pouco em tanto. com isto não sou apologista de que só os resumos sejam bons. há livros grandes que parecem pequenos e há livros pequenos que parecem enormes de tão chatos que são. cada vez nos é oferecida mais informação, cada vez há mais vias de fazer chegar essa informação. a menos que batalhemos constantemente pela selectividade e pela criação de um limiar pessoal de qualidade na informação que queremos, vamos acabar vítimas desse paradoxo que é saber cada vez menos num mundo que permite saber cada vez mais.

na vida como nas ementas americanas

as ementas nesta terra que me acolheu têm um grave problema de complexidade. por mais agradável que seja a multiplicidade de oferta, almoçar ou jantar fora num restaurante americano é um desafio com laivos de hercúleo. escolher um entre milhares de pratos e quando acharem que a tarefa chegou ao fim ainda vem a altura de vos perguntarem como querem a carne, que molho querem, todos os acompanhamentos à disposição, e por aí fora, o que me faz sempre acreditar que para se ser empregado de mesa nos estados unidos é preciso um curso de decoranço. ou então são só actores sem sucesso em hollywood que vêm parar a esta profissão em segunda instância. há dias em que só nos apetece limitar as dúvidas a dois ou três pratos. e mesmo isso às vezes é demais. a vida moderna sofre do mesmo trauma. vestidos do maravilhoso livre arbítrio que o tempo de agora nos trouxe, temos que, quase do berço, decidir tudo e um par de botas. o que vamos ser, o que queremos fazer, com queremos estar, o que isto, como

mesmo quem não acredita em santos vai lá pela parte do populares

todas as cidades são frequentemente acusadas de frias, impessoais, carreiros de formigas trabalhadoras, despidas de sentimentos, que trabalham durante o dia e fogem para os seus suburbanos refúgios quando o sol se despede. havendo alguma (muita, quiçá, em muitos dos dias) verdade nisto, há um dia especial em que um povoado como lisboa deita completamente abaixo esta estrutura. apesar de o avançar dos tempos trazer algumas adaptações fatelas ao que é verdadeiramente a noite de doze de junho em lisboa (nunca percebi porque é que algumas casas acham excelente ideia pôr música electrónica na encosta do castelo ou porque é que algumas banquinhas vendem açaí com granola) ainda continua a ser a noite do ano em que a alma mais marialva do verdadeiro alfacinha se manifesta em todo o seu esplendor. recebendo bem quem é de fora, quem veio de fora, quem adoptou lisboa como sua, renegando ao preconceito fácil e à crítica pouco construtiva. eu sempre me confessei um alfacinha a toda a linha.

o trânsito de vénus

sempre gostei muito de vénus. do modo como se insinua no fim das tardes de verão. da sua mania de fingir que é meio estrela, meio satélite, deixando todos à nora quanto à sua real vida como planeta. é um planeta tão audaz que até tem coragem de passar entre a terra e o sol e deixar milhões parados a vê-lo passar, como se fosse uma espécie de visita papal sideral (não que eu me desvie do meu caminho para ir ver o papa, entenda-se). olhar para meio mundo a, literalmente, "ver vénus passar", fez-me pensar como o ser humano continua magicamente centrado nos fenómenos que não compreende muito bem. por mais interpretação que a astronomia hoje ofereça, a noite em que há chuvas de estrelas, os famigerados eclipses ou estes pequenos brindes cosmico-planetários, são recebidos com a mesma admiração com que os aztecas, os egípcios ou os homens das cavernas olhavam para eles. é também curioso que a atitude não se estenda a outros fenómenos cujo conteúdo as pessoas desconhecem. na ciên

a paixão por futebol vai para lá de penteados e lamborghinis

quem nasça num país como portugal sabe bem que a paixão pelo futebol é algo que vem inscrito nos genes quase com um carimbo tão forte como o padrão de cabelo, a cor dos olhos ou o número de anos que em princípio vamos viver. num rapaz os primeiros passos são quase invariavelmente acompanhados dos primeiros chutos na bola. os primeiros beijos andam de mão dada com as primeiras fintas. as etapas da vida vão sendo acompanhadas por aquele golo de um ângulo impossível, pelo outro frango que não deu nem para acreditar ou pela finta que é feita mais para impressionar as miúdas que olham da linha lateral do que propriamente para dar eficácia ao lance. lembro-me como se fosse hoje do ritual que me perseguiu escola fora. no momento em que os cinquenta minutos de aula terminavam (já cinquenta pareciam tão complicados em termos de concentração, não sei mesmo como aguentam noventa, ó gaiatos de hoje!) corríamos que nem loucos para o recreio para começar uma partida de futebol com muita intensid

filetes de coerência com arroz de insight

embora não seja difícil parar para pensar, há muita gente que recusa parar. e ainda mais gente que recusa pensar. uma das principais especialidades desse ser cheio de funções superiores, que é o humano, é perder a coerência de opiniões e pensamentos ao sabor do vento (na verdade é ao sabor do que lhe dá jeito, mas o vento é uma metáfora metricamente muito mais lindinha).  custa pouco apontar erros nas atitudes dos outros, ridicularizar pessoas ou elaborar peças dramáticas sobre falhas alheias. o mal não é esse. a crítica faz parte da vida. a crítica faz parte da inteligência. o que é mau, e quem é mau ou faz mal, deve ser criticado até ao ponto em que se faça justiça (vamos fingir que isso é algo passível de acontecer. spoiler: não é).  o problema surge quando quem critica tem atitudes que são o perfeito espelho daquilo ou daqueles que critica. nem é a velha teoria do exemplo. é mesmo uma questão de coerência e de conforto com os padrões de ética e moral de cada um (dessa me

somos como legos, mas não é suposto ser só do pescoço para baixo .

as pessoas acham sempre que vão chegar ao encaixe das almas só através do encaixe dos corpos. se é verdade que os instintos que nos movem são na sua base animalescos e primitivos, também é verdade que aprendemo, uns melhor que outros, ao longo do tempo, a controlar esses instintos e a canalizar toda a energia que daí provém para vários fins. quem pretende fazer casas com sólidas traves de aço e um telhado muito bonito mas se esquece, entretanto, que as paredes e a decoração também fazem parte do pacote completo, corre o risco de acabar como ermita solitário, sentado no perene cimento de uma casa desabitada, onde tudo podia morar mas nada mora. tanto o calor como o frio me trazem de volta a percepção da perda generalizada do momento, por estes dias que correm. a pressa de chegar não sabemos ainda bem onde tem tendência a roubar-nos a capacidade de criar polaroids com os olhos, e de manter preso no pensamento o momento em que lentamente removemos aquela migalha que ficou presa no can

porque a vida também é parvoíce .

aqui vai uma dose consistente de parvoíce através das minhas criações para o Salão Neurótico . "ONU" "a amiga alga" "anjelica houston" "ases pelos ares" "atingir os nirvana" "o cacto das botas" "cair o carmo e a trindade" (ideia da Sara Bettencourt) "chet baker" "chuchar expresso" "dodge viper" "hashtag" "icy dead people" "justin beaver" "khalid bolo-de-arroz" "kim kong" "los angeles leicas" "luís filipe vieira" "olavo bivaque" "ovnibeja" "paco bandeira" "passas para mim no rossio" "pente house" (ideia da Sara Bettencourt) "roll

nevoeiros feitos saunas

a nossa mania de olhar para as coisas sem ser do tamanho que são deixa-nos sempre no limiar do risco de não conseguir ver tudo o que elas comportam. aos nossos olhos o nevoeiro são apenas nuvens que decidiram ser um pouco mais pesadas e assentar sobre a terra como uma camada de chantilly se acomoda num bolo, toldando o caminho, dificultando a distância, humidificando o pensamento e as ideias. tenho para mim que o nevoeiro é um método de concentração. grita por todas as gotas "concentrem-se, vá, não olhem lá para o fundo que não dá para ver. hoje é para olhar para esse canteiro aí ao pé e dar atenção às joaninhas a trepar plantas". diz a tradição popular que se sonha mais quando há nevoeiro. diz a minha experiência que isso é bem capaz de ser verdade. diz a minha imaginação que isso faz todo o sentido, desde que se assuma que as moléculas de água são óptimos vagões de transporte de sonho e que, em dias de nevoeiro, a linha de caminhos de ferro dos sonhos se encontra em tod

mil folhas

a leitura é um hábito que se cultiva desde quase tão cedo como aquele outro hábito que envolve o diafragma e os pulmões, o que serve para manter as funções vitais em forma. já se inventaram muitas formas de arte e expressão cultural, e várias dessas têm em mim um fã acérrimo e um eterno seguidor. mas nada ultrapassa o etéreo de paixão que de um livro pode brotar. um livro trata-se como se de uma relação apaixonada se tratasse. olha-se de longe, chama a atenção, aproximamo-nos pé ante pé, a primeira vista transforma-se no primeiro cheiro, no primeiro manusear. a tinta das letras olha para nós com olhos de piedade, emanando "compra-me" por todos os poros da folha de papel. olhos que são de treta, porque sabem bem que no que separa capa de contra-capa se encontra um turbilhão de vida, um vértice de histórias, uma lupa para vidas e mais vidas e tempos e mais tempos. ninguém é obrigado a ler. eu acredito no livre arbítrio. mas quem não se conseguir apaixonar por um livro não sabe

os tempos em que o efémero nasceu

eram os verões do início dos anos noventa. alguns de vocês que estão a ler ainda nem nascidos eram, não passavam de projectos de cruzamento de material genético nas cabeças e gónadas dos vossos pais. sesimbra era uma terra com menos casas, com menos gente, com mais barcos, com água mais limpa. os meus dias eram passados a descer e subir a colina. para a praça, para a praia, para o almoço, para a praia da tarde (ó se a água tinha sempre carneirinhos que se adivinhavam cá de cima), para o jantar, para o passeio da noite. entre postas de cherne grelhado no carvão, brisas do mar e barcos de doce de amêndoa, a vida era ela própria doce como as sobremesas e o grande objectivo de vida era um dia conseguir nadar até aos barcos. pelo meio de tudo isto uma certeza. o walkman da sony, recebido como presente no fim da quarta classe, era um dos meus melhores amigos. nele cabiam as várias colecções de música gravadas em cassete no espólio lá de casa. uma delas tinha como destino acabar de exaustão.

o amor anda de mãos dadas com a dedicação

a recomendação é para que se chegue cedo. a enchente diária de turistas é garantida. em qualquer altura do ano. a confusão de agra, uma cidade bem "agra-e-doce", é atravessada pelo rio yamuna, majestoso na altura em que ali chego, no fim da época das monções. inunda os campos de água, fecundando-os de vida. a vigiar de perto o curso do yamuna encontra-se aquele que é provavelmente o monumento mais famoso do subcontinente indiano, o taj mahal. se há locais do mundo que nos causam demasiada expectativa, desiludindo no momento da descoberta, este não é certamente um deles, sendo tão ou mais impressionante do que os nossos melhores sonhos imaginaram. para lá chegar fintam-se as ruas dos bairros envolventes. chovem convites para entrar em mais uma casa de tapetes. ou ali na outra que vende toscas miniaturas dos monumentos. de onde somos? israel? espanha? itália? entre, entre, não paga para ver, oferecemos-lhe chá, sem pedir nada em troca. chovem também algumas gotas de água do céu

a descida do avião

a descolagem de um avião é um bonito hino à engenharia e ao engenho humano. sentimos o corpo colar-se à cadeira, os motores gritam alto como quem prepara a investida numa batalha, as rodas rodam mais rápido que elas próprias, as asas concentram-se com toda a força e o aparelho acelera pista fora. imagino-o sempre de ohos cerrados, concentrado, conquistador. finalmente as leis da física decidem que as correntes de ar que roçam as asas vão mudar a forma como se brinca a este jogo e geram o impulso que leva o avião a descolar. colam-se então as paredes do estômago, a inclinação do corredor da aeronave mostra que há um meio termo entre o horizontal e o vertical e aí vamos nós. gosto muito de descolar por esse mesmo motivo. é como uma composição musical triunfante. uma declaração de intenções ao universo e um cruzar de espadas com a atmosfera. mas o que que eu gosto mesmo é de aterrar. porque na descida faço de conta que não há engenharia e engenho humano e imagino que sou tão somente um pá

o beijo

isto dos dias internacionais do tudo-e-mais-alguma-coisa dava-me para ter um tema para escrever por dia. em que momento se perdeu a espontaneidade deste mundo, e se decidiu dedicar a celebrar algo em dias específicos, gostava eu de saber. não sei se o dia internacional do beijo implica comemoração específica ou particular, ou se a dose em que hoje os beijos são servidos tem mais um terço do que o habitual por ser o seu dia. o beijo não só é para uso frequente como é intemporal. imune a dias. às vezes até imune a noites. a quantidade de informações sensoriais acumuladas na língua e nos lábios mostram a importância que a própria biologia deu ao beijo. a troca é mais que táctil. o conhecimento é sinuoso, navegador, partindo-se à descoberta de uma envolvência que é própria de cada beijo. não há dois beijos iguais. e há decerto mais beijos que genes. cruzamentos de beijos ao longo da história geram tantos outros. emparelhados, desemparelhados, igualmente belos. aprende-se a beijar como se a

o mal dos super-heróis é serem demasiado super

as crianças identificam-se com os super-heróis. na inocência e pensamento sonhador, próprios da infância, sonham ser como (inserir o nome de um qualquer super-herói presentemente num momento de grande fama) e imaginam-se no dia-a-dia com os poderes dos seus ídolos. no meu tempo achávamos que podíamos ser o super-homem, o batman, o capitão américa, o he-man ou alguns outros. bom, eu também sonhava ser o alf, mas sou um caso patológico e isso não vem agora à discussão. nessa fase do pensamento, vacilante entre a construção dos valores aprendidos em casa e na escola, as hipóteses da fantasia aparecem como válidas e todos nós achámos nalgum momento que conseguíamos voar de casa para a escola ou colocar o modo invisível para roubar algodão doce na feira popular. depois crescemos. e quando a vida adulta nos mostra do que é feita, quando cheiramos pela primeira vez o valor da responsabilidade, quando passamos a pagar impostos ou a poder pedir bebidas alcoólicas sem ser por intermédio de algué

conversas com a lua

numa das minhas conversas com a lua perguntei-lhe como é que ela fazia para ter esse jeito tão próprio de fazer tanta gente acreditar que aquela luz é dela, quando no fundo ela é apenas um espelho da luz do sol. a lua lá me explicou vagarosamente, como é seu timbre, que foi criada mesmo para isso, para espelhar e ajudar a ser feliz. contou-me que dia a dia mete as mãos à obra, gira grandes rodas dentadas para ir gradualmente espelhando um pouco mais de luz. chega ao dia do seu máximo esplendor e gira tudo ao contrário para ir dando cada vez um pouco menos de luz. com isto, diz-me ela, ajuda a subir e descer as marés, a orientar os animais selvagens nos seus caminhos e até a influenciar quando os bebés nascem. aplaudi o brilhantismo da lua e fiz-lhe duas ou três festas no lombo (saibam que a lua rebola de felicidade quando lhe fazem festas no lombo) mas logo me surgiu outra dúvida. então, se ela funciona como espelho da luz do sol, não poderia também funcionar como espelho da luz da ter

os cabos do mundo .

a predilecção do ser humano por cabos é algo de notável. há quinhentos anos atrás o seu objectivo era dobrá-los no meio de tempestades, entrando para dentro de meia dúzia de tábuas de madeira marteladas à pressa com um quadrado de pano a dar a dar ao sabor do vento. os cabos eram de tal forma temidos que até lhes inventavam figuras humanas monstras e lhes davam nomes de miradouros de santa catarina (deixem-me acreditar que a ordem dos factos é esta, sim?). num regime mais contemporâneo os cabos mudaram de sítio. largaram a pedra em que a água bate e tornaram-se em fios de cobre, ou de outra coisa qualquer, envoltos em borracha e com uma maníaca tendência para se enrolar. sempre achei aliás que os cabos só podem ter sido feitos à imagem dos bichos de conta, dada tamanha semelhança no que toca à 'enroladela'. estes cabos estão por todo o lado. criam uma cidade à parte, só sua, acima da outra e abaixo da outra. até ao fundo do oceano eles foram parar, para transportar megabytes de

pergunta resposta .

pergunta: " oh João, tu que és cardio, achas que amamos com o coração? " a minha resposta: " acho que devíamos amar com o coração e teimamos em amar com a cabeça..."

entre linhas de pautas moram letras

a música tem um papel constante na minha vida. os sons mais variados conseguem a proeza de me fazer viajar sem sair do mesmo sítio. de sonhar acordado. tem mais força para os meus sentidos carregar no botão 'play' de certas músicas do que pôr uns óculos estranhos e fingir que estou a ver o mundo a três dimensões. (o que se passa com isto das três dimensões, já agora? que raio de embuste à inteligência vem a ser este? eu quando vou ver um filme quero ver um filme. descansado. em sossego. de três dimensões já é o resto do meu mundo e se eu quiser três ou mais dimensões vou para o meio da floresta ou da praia e não preciso de usar óculos adequados. tirando os de sol em certos dias.) consigo traçar a rota da música na minha vida até aos momentos mais primitivos da minha memória. consigo associar músicas a locais, a pessoas, a fases da vida. já me apercebi que funcionam certamente como um índice do livro que é a nossa vida. quando começam a tocar, envergonhadamente, do nada, transpo

nevoeiro .

o nevoeiro da noite vem disfarçado de um modo de tal forma universal que chego a acreditar que as máquinas de teletransporte estão precisamente escondidas, ocultas, ali no meio. e algum defensor do sebastianismo deve ter tido a mesma suspeita que eu (ou vice-versa), daí o mito. pedaços de água, amarrados em jeito de nuvem, descansam mais perto da terra do que é habitual. como se estivessem de visita. como se viessem de lente angular de máquina reflexa em punho, dispostas a descobrir o que se passa e quem passa no que se passa. dizem que se sonha mais quando há nevoeiro. sonha-se de facto mais quando há nevoeiro. não deixa de ser irónico que no momento em que a visão real do exterior se torna mais turva a visão decidida do sonho se torne mais clarividente. vou ali pôr um pé em áfrica, o queixo na ásia e o tornozelo na antárctida. ou, por outras palavras, aproveitar o nevoeiro para viajar até onde bem a vontade me levar, sob a forma de sonho.

sobre a beleza .

é extremamente hipócrita afirmar-se que o aspecto das pessoas não conta e que o que importa é exclusivamente ser-se bonito por dentro. como o mundo vive de hipocrisias há uma grande fatia da população (adoro imaginar a população como um bolo de chocolate) que vive nesse alegre lugar-comum. mas se é hipócrita achar que as pessoas não valorizam o aspecto dos outros como um dos factores principais nas suas escolhas é na mesma dose inocente e infantil achar que isso isoladamente lhes traz esta vida e a outra. pode ser-se bonito por fora. como se pode ser bonito por dentro. ser bonito por dentro tem até a grande vantagem de estar ao alcance de todos, não é tão geneticamente decidido como a parte de fora. depende da personalidade, da forma como ela é talhada, dos inputs positivos e negativos, do coração e mente calejados com os burburinhos inerentes à vida. mas sempre mutável. sempre a tempo de ser adaptado. as pessoas bonitas por fora devem viver felizes com esse facto e tentar esforçar-se

o mundo da fantasia também devia ser justo .

nunca gostei de histórias estanques. se nos filmes com pessoas a sério (embora algumas estejam tão descredibilizadas que parecem pessoas a brincar) existem tantos cameos, essas maravilhosas participações especiais que raramente são mais do que marketing pessoal, os filmes de animação não deveriam ser excepção e as histórias podiam misturar-se no mundo da animação (eu sei que o shrek já tentou um bocadinho isso, vá, eu sei, mas é todo outro conceito que aqui está em causa). chegado o momento de o lobo mau comer 'a' capuchinho vermelho, esta só lhe dizia "porque é que não comes antes a hansel e o grettel que se fartaram de comer doces e estão gordos que nem um abade?" "não... agradeço o conselho, mas estou de dieta. o verão está a chegar e vou para um resort de lobos, quero estar em boa forma" "e os três porquinhos?" "que horror... bacon e presunto e coisas? então isso é que está mesmo fora de questão!" "então e eu não sou má para a tu

"man on wire" (2008)

as provas diárias de egoísmo, imbecilidade, insensibilidade, acomodamento ou tantas outras características negativas, que são a cobertura glacé desse cupcake que é a vida, fazem-me frequentemente acreditar que o mundo é um autocarro perdido. sem condutor. ou pior que ir sem condutor... com um que bebeu demais à merenda. depois dou de caras com histórias como a que é retratada neste documentário e volto a achar que afinal não vai tudo dentro desse autocarro. a prova de coragem, determinação, treino e originalidade da história de vida de philippe petit estão para o desânimo e a descrença nos sonhos como uma caipirinha gelada para uma tarde de verão com quarenta graus à sombra e sem brisa a soprar. para lá de recomendado. (mesmo a quem tem medo das alturas)

razões e motivos

hoje li uma frase que me deixou a pensar durante várias horas. era sobre o motivo de escrever. perguntava de modo directo, e indirecto, sem sequer usar pontos de interrogação, o que leva as pessoas a escrever, qual o seu destino final. primeiro senti-me indignado com o que a frase dizia. depois pensei no conteúdo da frase. finalmente acabei a dar razão à frase. nunca duvidei que se aprende a todos os minutos que passam. nunca duvidei que a melhor massagem ao ego vem sob a forma de elogios espontâneos, pouco forçados, pouco materiais e, sobretudo, desinteressados. egos à parte (e se os egos ocupam muita da maquinaria por trás de tudo o que fazemos na vida) eu esforço-me sempre por tentar ter a humildade de olhar para as bússolas, mesmo as que me parecem feias e ferrugentas à primeira miradela, contemplá-las durante uns bons minutos (ou horas) e perceber o que é que ali está que me possa ajudar a re-orientar os eixos no sentido de um norte ou sul mais magnéticos e menos magnoegoéticos. a

ursos polares em desertos

a sensação de estar perdido numa conversa, numa música ou num local é decerto igual ao que um urso polar sente se o largarem do nada no meio de um deserto. as âncoras culturais, de espaço e de tempo, são um pouco o índice do livro que construímos ao longo da nossa vida. se nos arrancam essas páginas andamos a saltar apressadamente de capítulo em capítulo, mais rápido que o coelho da alice, imaginando que o chão nos treme sob os pés. se isso é mau como princípio de vida... estar perdido apenas de tempos em tempos não é obrigatoriamente negativo. ajuda a encontrar e ajuda a desenhar novas derivadas, ajuda a pôr novos carimbos na nossa equação, e quem sabe até a resolvê-la. lembro-me frequentemente da sensação de perda numa viela (ela própria perdida) das ruas de mumbai. de sentir que ia caminhando, seguindo os cheiros, as cores, o ensurdecedor barulho saindo das várias casas, os pedidos de 'pare aqui, entre ali' e de ter quase entrado em modo de epifania do quão caótico um moment

partida, largada, fugida .

a placa das partidas tem o ar sensaborão do branco e do preto, mas quem a cheira de perto sabe que nela se perdem todos outros mundos e destinos, que navegam por corpos como baldes de adrenalina lançados sem pedido de autorização. o toque da pele dá a certeza da direcção. inventam tantas portas mas quando uma mão toca na outra, e os olhos se cruzam por microsegundos, o mundo todo desaba, as pernas fraquejam, e o íman do destino é mais forte do que aquele castelo que quisemos trazer lá de longe e que colámos toscamente na porta do frigorífico. os pontos de encontro desencontram-se dos caminhos perdidos. os megafones anunciam partidas mas os nossos olhos só vêem chegadas. cheira a borracha de bagagens e a perfume de hospedeiras mas o nosso nariz só cheira nozes moscadas, praias mascadas, águas mergulhadas e sóis bebidos. lá longe, onde as árvores brincam às construções na areia, e as algas fingem que são tenebrosos tubarões, há um sol que nasce, outro sol que se põe, e horas para ser viv