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ursos polares em desertos



a sensação de estar perdido numa conversa, numa música ou num local é decerto igual ao que um urso polar sente se o largarem do nada no meio de um deserto.

as âncoras culturais, de espaço e de tempo, são um pouco o índice do livro que construímos ao longo da nossa vida. se nos arrancam essas páginas andamos a saltar apressadamente de capítulo em capítulo, mais rápido que o coelho da alice, imaginando que o chão nos treme sob os pés.

se isso é mau como princípio de vida... estar perdido apenas de tempos em tempos não é obrigatoriamente negativo. ajuda a encontrar e ajuda a desenhar novas derivadas, ajuda a pôr novos carimbos na nossa equação, e quem sabe até a resolvê-la.

lembro-me frequentemente da sensação de perda numa viela (ela própria perdida) das ruas de mumbai. de sentir que ia caminhando, seguindo os cheiros, as cores, o ensurdecedor barulho saindo das várias casas, os pedidos de 'pare aqui, entre ali' e de ter quase entrado em modo de epifania do quão caótico um momento se pode tornar. libertar os cinco sentidos nesse vórtex de primitivismo selvagem encaminha os eixos para uma espécie de alinhamento que quase leva a encontrar o sexto sentido. depois há de novo a luz. neste caso entrar por uma porta, sentar numa mesa suja, encostada a um canto, ignorar todos os olhos postos na pessoa que é estranha a este ambiente, usar as rudimentares palavras em hindi para pedir um prato de lentilhas com especiarias e um lassi doce. mergulhar no sabor da refeição, que traz a história da humanidade agarrada em cada colherada e em cada movimento de sucção da palhinha. sorrir a quem passa, ver que acalmaram a curiosidade e que voltaram à sua vida normal de almoço, à sua conversa. sobre o que será que conversam eles? perco-me a imaginar. agora trocámos de papéis, agora sou eu que os adivinho.

por mais línguas que inventem, por mais dialectos que escrevam, por mais sons diferentes que sejam emitidos, a imaginação é algo que será sempre transversal ao ser humano. e tenho para mim que na torre de babel só não se entenderam o suficiente para a construir porque gastaram demasiado tempo a tentar comunicar por palavras e tempo a menos a tentar comunicar com o coração.

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