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A mostrar mensagens de novembro, 2011

caro céu

caro céu, percebo que por vezes fiques um pouco revoltado com esta mania do ser humano de tentar explorar os teus limites. toda essa raiva que descarregas quando sentes que algo não corre da forma que pensaste, é compreensível. no entanto, tens de saber relativizar as coisas... tu és infinito. com tanto espaço que tens, para quê andar a embirrar apenas porque meia dúzia (para ti são menos do que micro-formigas) de conjuntos de lata te atravessam todos os dias, cheios de pessoas que vão à procura de sonhos, vão de volta à família, vão fingir que são de um planeta diferente no seu próprio planeta ou vão apenas em trabalho para levar todos estes? mesmo os satélites e foguetões, são menos incómodos para o teu todo do que aquele bocadinho de pó que entra para o olho com o vento e ali fica a irritar horas a fio. nunca te vi ficar tão irascível com cometas ou cometas-like. e esses atravessam-te com violência e sem pedir autorização. serás tu, céu, não mais que um míudo mimado e sem c

porque nostalgia não é só o nome de uma rádio

quem seja honesto não pode dizer que se lembra muito bem dos cerca de nove meses que passou dentro de uma barriga, refastelado no conforto do quentinho e amortecido de todos os males do mundo, mas ao mesmo tempo alheio a todas as maravilhas que ele tem para oferecer. passado esse tempo, levamos todos uma espécie de cartão vermelho, com direito a expulsão. mas expulsão das boas, porque em vez de ir tomar banho mais cedo para o balneário, saímos para a terra dos arco-íris, pores-do-sol e florestas de sequóias gigantes. não faz mal não nos lembrarmos desses nove meses, porque a vida se encarrega de nos fazer sentir repetidamente a mesma sensação. o que eram úteros passam a ser grupos, o que era líquido amniótico passam a ser amigos e aqueles vasos que nos traziam nutrientes passam no fundo a ser a intensidade da vida que vivemos. ontem, hoje e amanhã, acabamos por criar um determinado grupo, com o qual nos identificamos, criamos laços fortes, temos uma rede forte, quase sem buracos

definição do amor

CHORAR EM PÚBLICO Miguel Esteves Cardoso – 28-11-2011 " Quando sair este jornal, a Maria João e eu estaremos a caminho do IPO de Lisboa, à porta do qual compraremos o PÚBLICO de hoje. Hoje ela será internada e hoje à noite, desde o mês de Setembro do ano passado, será a primeira vez que dormiremos sem ser jun...tos. ... O meu plano é que, quando me expulsarem do IPO, ela se lembre de ir ler o PÚBLICO... e leia esta crónica a dizer que já estou cheio de saudades dela. É a melhor maneira que tenho de estar perto dela, quando não me deixam estar. Mesmo ficando num hotel a 30 passos dela, dói-me de muito mais longe. ... O IPO consegue ser uma segunda casa. Nenhum outro hospital consegue ser isso. Podem ser hospitais muito bons. Mas não são como uma casa. O IPO é. Há uma alegria, um humor, uma dedicação e uma solidariedade, bem-educada e generosa, que não poderiam ser mais diferentes da nossa atitude e maneira de ser - resignada, fatalista e piegas - que são o default instituci

diamantes perdidos nos himalaias

perdido no meio de uma montanha daquelas que estão nas mais altas montanhas que o mundo conhece, encontrei um monge budista e resolvi perguntar-lhe algo que sempre me tinha suscitado curiosidade "o que é que o budismo tem a dizer sobre tatuagens". durante tempo e tempo a fio, que com um monge budista parece sempre tempo a menos, explicou-me que duas correntes completamente opostas existem sobre a matéria. os 'contra' defendem que tatuar o corpo é criar uma marca definitiva, indo totalmente contra o princípio de desprendimento material, extensível ao próprio corpo. os 'pro' contrariam, dizendo que tatuar o corpo é a prova mais fantástica e evidente de desprendimento físico e que a prática deve ser incentivada. como eles são budistas, falam sobre isto horas e não acabam fulos de raiva. discutem com argumentos nos olhos e nas línguas e não com duas pedras na mão. de facto concordo mais com uma das correntes. tal como li recentemente escrito pelo josé luí

não são só quatro rodas e uns eixos

em virtude da minha migração próxima, soube hoje que o meu carro também vai migrar à sua maneira, com a minha partida. deve ser muito mais bonito fazer-se um texto sobre carros quando se anda a conduzir um aston martin ou um lexus, mas cada um é para o que nasce e eu e o meu carro estamos assim um para o outro. quem diz que os objectos não têm sentimentos não percebe nada disto. a fuga ao materialismo puro deve, com toda a certeza, afastar-nos de sobrepor os objectos às manifestações mais profundas da emocionalidade, mas há objectos que ganham um lugar tão especial no nosso eixo coração-mente-história. é impossível não associá-los ao nosso crescimento pessoal, às alegrias da vida, aos dias difíceis, ao lugar especial, ao lugar terrível, à chuva que inundou o para-brisas e ao sol que aqueceu o couro do volante e o fez ter aquele cheiro de pos-pôr-do-sol, que puxa apenas a condução lenta até ao quarto, por entre as pestanas cheias de sal, para um banho rápido e um encaminhar para a

a espuma das noites

tenho um dicionário próprio a partir das três da manhã. acho que isso é a prova exacta e científica de que o mundo muda a essa hora. os brilhos têm uma tangente diferente. os copos ganham uma espécie de fluorescência própria. os corpos ganham uma tendência flirtantemente diabólica. a lua faz de conta que é o sol e o sol nem esgrime a tentativa de parecer que é a lua. fecham-se portas no momento em que se acendem luzes. os vidros partidos são espalhados por ruas, tapetes e entradas, como ânsia de homenagem ao desequilíbrio natural da falta de luz. as palavras do meu dicionário não são só diferentes nas letras que as unem. têm cores, que durante o dia andam muito mais fugidas. há letras amarelas, azuis, verdes, encarnadas, fuchsinzento, pratadeado ou amarelilás. as que existem, as que não existem e as que estão à espera de passar a existir. porque este dicionário é escrito a cada momento, numa espécie de acordo inteligentográfico feito entre as páginas do próprio dicionário, num

seguir os sonhos é no fundo terrivelmente idiossincrático

nunca acreditei em sonhos. pelo menos não no sentido vulgar que lhes costumam dar. voltei a pensar nisto nos últimos dias, porque me lembraram do livro de interpretação que o freud escreveu sobre os sonhos, com o qual me deleitei ainda jovem (sim, na altura em que não tinha contracturas do trapézio como esta que me atormenta agora). e também voltei a pensar nisso por algumas outras coisas. que têm quase tanta importância para o assunto como o ponto de rebuçado tem para o caramelo. o sonho não o é. acredito em convicções. acredito em vontades. os sonhos não são mais do que a coragem de realizar essas vontades, de pôr no papel da vida as ideias que fervilham, ali entre uma circunvolução e outra, repousando calmamente em pescoços acéfalos. quando nos deitamos à noite. melhor, quando adormecemos à noite, desligamos o nosso censor, e os nossos atrevimentos ganham cor, ganham luz e são vendidos no mercado das emoções como sonhos. mas é só um nome bonito para as coisas. inventado ape

creio que a melhor forma de alguém se encontrar é perdendo-se

detesto a calma. acho que já bati nesta tecla. mas eu adoro bater em teclas. sejam de macs ou de steinways. por isso não me escandalizo por voltar a bater-lhe. no fim de um dia de cansaço e de trabalho infindável, nada me sabe melhor do que recolher ao meu caos. perdido entre livros espalhados no sofá, mesa e chão (só nos últimos cinco minutos já pisei o borges e lixei um dedo no palahniuk), com a discolette a entrar-me nos ouvidos patrocinada por uns phones vermelhos conspirativos, olho para os sons da escuridão e o que cheiro é o tumulto da vida. sinto que podiam estar milhares de seres vivos em plena harmonia autista neste momento. devorar sons é para mim um hobby (sim, o acordo ortográfico que se) que me permite uma espécie de sincronização de fim do dia. no fundo, não somos todos mais do que iPhones (com um ou outro blackberry teimoso) e adoramos regressar de vez em quando à nossa dock para voltar a ficar com a barra no verde. e que bem que sabe ficar com a barra no

o açúcar em pó, eu e aquela cena meio redonda chamada mundo

conheci um homem que largava palavras nas folhas como quem espalha açúcar em pó sobre um bolo de cenoura. a teoria dele é que nunca se polvilha nada com formas muito direitinhas. quem quiser perfeição fica em casa a organizar as meias por cores ou as camisas por tipo de colarinho. quem espalha o açúcar como quem lança notas de cem dólares ao ar, depois de ganhar um jogo de poker em las vegas, vê a vida de uma forma impagável. penso em todas as estradas que ainda tenho por fazer. imagino artérias cheias de sangue pulsátil, imparável, em que eu navego consumindo tudo o que têm para me dar. desertos, florestas, montanhas, lagos. nem paro para comer. janto serras. janto lagos. de que serve fingir que há funções vitais a manter quando há tanto mundo para conhecer? a vertigem da velocidade puxa por mais velocidade. quem acelera a sério sabe bem que quanto mais rápido vamos mais confortável é o desconforto da velocidade acima. o mundo de quem o vive devagar é tão diferente de quem o

dei por mim a pensar, daquela forma que quase sai fumo pelos ouvidos

gosto muito de ler sobre a crise. de ver muitos programas sobre a crise. de ouvir muitos especialistas a falar sobre a crise. ou aqueles que não são especialistas de coisa nenhuma, mas que falam da crise como se de alguma coisa fossem especialistas. nem de outras coisas o são, muito menos da crise. mas a crise é sem dúvida um óptimo tema para abrir telejornais. dez minutos para os ratings. outros dez para o comportamento dos mercados. ainda sobram dez minutos para falar das reuniões de concertação social, que são o equivalente a juntar um benfiquista e um sportinguista numa tasca em dia de derby - já se sabe que sai de lá tudo com um olho à belenenses, para democratizar o gosto clubístico lisboeta. os últimos dez minutos podem ficar para falar do mourinho, da lesão do tendão do ronaldo e da cor de cabelo do jorge jesus. facilmente caímos no 'ai jesus' (o da cruz, não o do benfica) da depressão profunda e contínua de quem vai para uma crise sem fim à vista e, no meio desse pâ

os verdes anos do carlos paredes ressoam ecos nas paredes da memória através de polaroids de outros tempos

nostalgia. uma palavra tão válida, que até dá para dar nomes a rádios. bem, isso talvez não seja critério, porque senão tenho de escrever um texto sobre a validade de coisas como "amadora de alenquer" ou "alma viva", também nomes de rádios. sou meramente semi-nostálgico. adoro o passado, da mesma forma que venero o presente e endeuso o futuro. acho que tudo tem o seu lugar. o tempo traz uma nova forma de ver as coisas. sinto que há momentos do passado que pareceram tão claramente amargos, mas o tempo encarrega-se de os tornar agri-doces. ou aqueles bem azedos, que deixados a repousar em banho-maria uns quinze/vinte anos parecem abrir em todo o seu esplendor, mimetizando trufas deixadas a apurar debaixo de terra, trazendo consigo lá de longe tudo menos azedume. dos vários 'eus' que percorremos toda a vida, a infância nunca vai perder o seu canto especial. julgo mesmo que a infância é o esplendor da exploração. achamos que não, que é no pico da capacida

esfiquinhazes pedras de toque

despe o que tens vestido e atira com as guardas dessa auto-estrada à cara daqueles que não acreditam que os girassóis um dia se podem lembrar de girar ao contrário. só porque sim. ninguém obriga ninguém a nada. a morte à definição seria a abertura da caixa de pandora da delícia. estou a imaginar tudo muito bem na sua vidinha e, de repente, vai-se a gravidade que lhes venderam como absoluta e aparece outra gravidade, a da situação. caem que nem uns perdidos no abismo profundo que não é abismo e a queda nunca acaba. no fundo ficaria meio mundo preso na angústia do poço gigante, em que a partir de certa fase é provavelmente mais angustiante achar que não há um fim para queda do que perspectivar a dor da queda. tropeça nas raízes das folhas, e poupa o tronco. sabes tão bem como eu que dar cabeçadas em postes de electricidade é uma actividade tão digna como apanhar folhas no outono. a menos que uses aquelas pegas extensíveis, sua calona. isso não é objecto de gente. a usar isso que seja

so, take the red pill or the blue pill, your choice

no outro dia parei. para pensar uma vez mais sobre o valor da decisão. curioso como há quem seja criticado por decidir de modo demasiado racional, outros por decidirem logo com o que lhes vai na alma, e outros ainda por não se assumirem nem como carne nem como peixe. a decisão é um ponto importante da vida. diria mesmo que é decisivo. provavelmente é o acto humano mais importante, e a história está cheia de momentos que o comprovam. se não é fácil decidir entre o bitoque e o bacalhau espiritual, imagino para o alexandre, mesmo sendo grande, qual a angústia e o conflito interno quando tinha de decidir se continuava a sua marcha vitoriosa, se parava ou até se voltava para trás. parece mais importante quando falamos de generais. ler na military history sobre termophilas, gettysburg, waterloo ou outras, é igual a ler uma espécie de hino à decisão. mas nas guerras do dia-a-dia, somos nós própios generais das nossas próprias decisões. quando oiço que alguém se suicidou, confesso qu

um jantar como outro qualquer

sentei-me com eles antes que tivéssemos sequer tempo de olhar bem à volta. perde-se muito quando não se conhece o terreno. eu gosto de olhar bem, como quem vê, antes de me sentar onde quer que seja. as paredes falam, a decoração susurra dicas e a disposição das pessoas explica a disposição da noite. um jarro com flores pendurado daquela parede explica mais sobre esta sala que mil comentários de críticos no jornal. o encontro estava marcado há um tempo, mas andámos sempre os três tão ocupados que foi bem difícil arranjar uma data. enquanto o f se tentava decidir entre o robalo grelhado e o joelho de porco, o k conseguiu adormecer sobre si próprio, vítima de uma espécie de narcolepsia do génio. finalmente lá demos o murro na mesa e acordou para pedir a sua massa. integral. parece que estava de dieta. começámos com o pé esquerdo, com o k a vir com a do costume de que todo o Homem é uma seca, e quem o queira contrariar será uma seca a fazê-lo. depois lá explicou que isto era apenas u

lagos sulfurosos entre substância cinzenta e substância branca

hoje passeei por um cérebro. não me consigo lembrar se estava acordado ou se estava a sonhar. essa informação ficou perdida enquanto me maravilhava com os ramos cuidadosamente podados das árvores que enchiam a terra da substância cinzenta. velhos guardiões trabalhavam os troncos e os caules como quem poda bonsais e as folhas brilhavam como uma espécie de estrela a nascer. daquelas a sério, não das cadentes, que as cadentes duram o mesmo tempo que dura o encanto humano pelas coisas pouco perenes, delirantemente passageiras. o susto, ao ver largas bolhas explosivas nos lagos sulfurosos entre a substância cinzenta e a substância branca, deu lugar à paixão por mergulhar nesses lagos, e senti-me como um molde quando é banhado num ouro de muitos quilates, talvez demasiados quilates. o dia dentro de um cérebro nunca termina. é uma espécie de simulação dos seis meses de verão no árctico. quando acabam as actuações do dia, começam as actuações da noite. os malabaristas do dia dão rapidamente