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Mensagens

A mostrar mensagens de dezembro, 2011

há sempre estrelas no céu a dourar o meu caminho

há muitas teorias sobre quem está no céu. mas as estrelas, pontificam lá de certeza. podem lançar a hipótese de que quando as moléculas se desintegram a "alma", vamos lá, gira em espiral e se vai acomodar no céu. contem de geração em geração que um senhor de barbas lá mora e tudo comanda. imaginem deuses com oito braços, atentos e vigilantes noites fora, sobre o comum dos mortais. façam isso tudo sem se chatearem uns com os outros, de preferência. eu cá não tenho grandes certezas sobre o que está no parágrafo acima. humildemente falta-me essa capacidade aparentemente tão universal de ter certezas sobre tanta coisa. tenho outra certeza, que me satisfaz plenamente (como era bonito ver isto escrito nos testes da primária... é quase poesia classificar um exame escrito com um advérbio de modo). a de que o céu estrelado me acalma, me preenche, me dá a paz que tantos procuram noutros amuletos ou imagens. sentir que com a ponta dos meus dedos consigo dar piparotes em buracos negro

when you're smiling

já dizia o fantástico louis armstrong que " when you're smiling the whole world smiles with you ". os meus domingos de manhã ultimamente têm esta melodia a correr-me nas veias. mudei-me para cleveland há quase dois meses. apesar do meu frequente contacto rural e nomadismo, sempre fui um menino da grande cidade, um morador em capitais, um perfeito urbano, viciado nos vícios do urbanismo e feito de sopros que se confundem ao mesmo tempo com rios, castelos, betão, azulejos ou ferro. sempre habituado ao fervor de uma cidade com programação interminável, perguntava-me como iria ser adaptar-me a um mundo totalmente novo e diferente. sobretudo num país que nós, europeus, vemos com tanta desconfiança, por motivos históricos recentes e pela nossa competitividade natural. cleveland é uma cidade, no geral, vítima de decadência. as únicas excepções são o galopante polo científico e universitário, de qualidade mundial e em crescimento, motivo pelo qual aqui vim parar. praticamente t

novelos de filosofia

tenho o terrível defeito de nunca deixar as palavras entrar por um ouvido e sair pelo outro, sem as prender para instantâneo ou posterior processamento. defeito, sobretudo, porque o meu armazém mental deve parecer-se com aquelas cidades de construção de electrónica dos chineses, em que noventa e cinco por cento do espaço é ocupado por lixo tóxico, e apenas nuns cinco por cento desta pilha há fábricas de onde saem bonitos aparelhos, que dão novos mundos ao mundo e novos dígitos às contas de silicon valley, shangai e por aí fora. guardo particular cuidado para processar as palavras mais inesperadas. ninguém nos precisa de dizer "olha, tu lê com atenção esse livro do proust porque é muito interessante" ou "deves tentar interpretar bem o que o garcía marquez queria dizer com isso". para esses estamos preparados. com mais ou menos expectativa, sabemos ao que vamos. partimos vestidos de indiana jones em busca de templos perdidos no meio de infindáveis páginas. ligamos o

circo de pulgas

sentado num banco, fisicamente parado, mas com a cabeça em turbilhão, observo o mundo a girar à minha volta, perdendo-me nos milhões de histórias possíveis para os milhões de pessoas que vão passando. são muitas as combinações possíveis. tantas, tantas, que até são mais arranjos que combinações (sim, tinha esta pérola de matemática do décimo segundo ano guardada para usar num qualquer texto de futuro). aquele senhor todo bem posto, engravatado, dá ar de empresário de razoável sucesso, encaminhando-se para mais uma reunião, onde se vai conversar muito e decidir pouco. estabelecer muitas colaborações. criar muitas pontes. desenvolver muitas ideias. homogeneizar pontos de vista. quando sair de lá, perceberá que ficou tudo na mesma. como em noventa e nove vírgula nove por cento das reuniões. por trás da imagem de empresário de pseudo-sucesso imagino os vícios e desvios de personalidade deste alguém... perante a sociedade cada um mostra a face que consegue construir. sendo mais habilidoso

esfero, vi-te

são pedaços brancos e esféricos de poliestireno. isolados, individualmente, não têm grande uso. quando unidos e compactados perdemos a conta à quantidade de utilizações a que se prestam no dia-a-dia, ou até na noite-a-noite (bolas, nunca ninguém dá o devido valor a esta última). por esse mesmo motivo, acho o esferovite uma óptima metáfora da sociedade. o pior é que ninguém respeita muito o esferovite. é usado e deitado fora. é quebrado por dá cá aquela palha, quando a palha não serve nem para metade do que o esferovite serve. é destruído em pedaços por crianças cegas por descobrir que presente afinal vem dentro da caixa. sodomizado por donas de casa, que apenas querem ver a brilhante misturadora sair da caixa de cartão. claro que há esferovites mais felizes. os dos barcos, por exemplo. são uma espécie de banksy dos materiais sintéticos. toda a gente admira o seu trabalho, mas ninguém sabe quem ele é. o esferovite tem um papel fundamental em impedir que os barcos se afundem. sei que p

eclipses

num filme que vi recentemente, gente simples discutia o porquê de se querer ver um eclipse: " então ontem não veio para a rua ver o eclipse? " " qual? o da lua? " " sim, o da lua! foi às 2h30, de madrugada! " " não, esse não gosto, só o do sol! " " só o do sol? então porquê? " " porque o da lua não tem piada nenhuma. há tantas noites em que a lua desaparece. não percebo porquê o fascínio de ver a lua a desaparecer... " o fascínio com os eclipses deve ser tão antigo como a existência da vida na terra. se é verdade que os da lua são, para além de relativamente frequentes, muito sensaborões, os do sol já têm todo outro sabor especial. basta vermos o desatino caótico em que fica a vida durante um eclipe do sol. os animais, durante um eclipse total, largam os pastos e desatam a correr desenfreadamente na direcção dos seus abrigos, em pânico sem perceber bem como é que o dia acabou tão depressa e sem avisar, como habitualmente faz.

he and the devil

escrever sobre a morte é consideravelmente mais difícil do que escrever sobre a vida. não que tenha pejo em fazê-lo. já o fiz algumas vezes e continuarei a desafiar a ausência de vida com os mesmos pincéis com que devoro a presença explosiva da mesma. creio que o ponto mais sensível em relação à morte é tentar perceber o limbo final. entre os crentes, os não-crentes, os anti-crentes e os pseudo-crentes, ninguém se decide se afinal há um túnel, com ou sem luz lá no fim. não há consenso em relação a elevadores com dupla direcção nuvens-centro da terra. não há memória fotográfica de prados verdes com gente vestida de branco (por acaso, não sei porque é que a imagem de céu das pessoas é uma espécie de sensation white gigante... será que o tiesto e o armin van buuren têm lugar garantido no céu à custa dessa brincadeira?). nem tão pouco de grutas profundas, com rios de fogo e seres vestidos de vermelho e preto, com corninhos, caudas pontiagudas e tridentes. se bem que neste último estou mai

porque é que as nuvens são feitas de algodão doce?

tentei descobrir porque é que as nuvens são feitas de algodão doce. mesmo aquelas muito escuras, de certeza que só o são assim porque a senhora da feira deixou o fuso que enrola o açúcar aquecer demais e ficou tudo queimado. apesar de tudo há algum engenho nesta arte, porque máquinas grandes o suficiente para fazer toda esta enormidade não são nada fáceis de esconder. chego a acreditar que há prédios mascarados de prédios só para manter secreta a produção em larga escala de nuvens, doces como os céus em que pontificam. todas as outras voltas que as nuvens dão, são brinquedos de criança. nada assusta verdadeiramente. o que são flocos de branco, cinza ou azul eléctrico ao pé de tantas outras coisas muito mais impressionantes? um tornado é um menino, ao pé da força que tem o mar, quando invade a areia sem permissão e lhe impõe a sua força e o seu sal. ou a água que cai deste algodão e é capaz de escavar rochas e fazer de alguns canyons grandes, só porque é essa a sua vontade de escorre

saltar ao eixo

quando de vez em quando apanho uma nuvem para andar a brincar aos holofotes por cima de serras, lagos, casas e eslapilos, fico sempre com vontade de dar um pontapé no eixo da terra, só por mera diversão. sei que posso perfeitamente parar a rotação da terra. ou até bem mais engraçado, pôr a galáxia à volta a rodar à mesma velocidade que a terra gira, e rir-me do desespero alheio ao ver que o dia nunca teria fim para uns e nunca teria princípio para outros. brincar com os astros é quase tão bom como uma sangria de champagne e frutos silvestres, servida num jarro que vem a transpirar de gula, numa qualquer noite de um qualquer dia de verão. perco-me a imaginar seitas sem fim a anunciar que o mundo agora ia mesmo acabar, que estava escrito nas estrelas. tretas. como é que podem achar que sabem ler os textos das estrelas, quando a tinta que é usada para esses livros já está muitas vezes apagada há centenas de anos? claro que como as palavras são quase tão persistentes como a raiz de um sa

mercado dos sentimentos

no mercado dos sentimentos, nunca há duas manhãs iguais. não podia ser de outra forma. afinal é um mercado sem compradores ou vendedores, apenas trocadores. desde que foi inventado (na minha cabeça, já só falta registar a patente) tem sido a melhor experiência-piloto de sempre. embora não goste de dar à minha experiência nomes de cães que roubam bouquets de casamento, para que fique claro. dentro deste mercado ouve-se perguntar: “ não quer levar um bocadinho de saudade? hoje está aqui que é uma maravilha! saudade tenra como já não se faz ” “ não, obrigadinho, deixe lá. já levo aqui trezentos e cinquenta de nostalgia. depois são sentimentos a mais para o fim de semana ” “ então e euforia? se leva nostalgia, porque é que não a salteia e acompanha aqui com esta euforiazinha que está mais fresca do que a manhã?” “ hmm, e quanto custa?” “ olhe, só porque é para si faço-lhe a cinco beijos o quilo!” “ oh, muito obrigado. ponha lá meio quilo então, que dias não são dias”. e andamo

ensaio sobre o mutismo

um clube para o silêncio. a ideia tinha de sair da cabeça do mestre david, não o beckham nem o rei de outras eras, apenas aquele que pega num rolo de película e dá novos mundos ao mundo, desertando do convencional e do terreno palpável e seguro. dizia ele que o truque do silêncio numa música é não haver banda. tragam a voz, e podemos nós próprios sentir o som de qualquer instrumento. ouvi-lo em surdina, cheirá-lo em tons elevados, devorá-lo em compassos incertos. será o mesmo com as palavras não cantadas? como seria um mundo em que ninguém conseguisse falar? não preciso de perguntar o mesmo em relação a um onde ninguém conseguisse ouvir, porque essa é um pouco a história da nossa actualidade. mas, e um mundo do silêncio puro da emissão? sem esdrúxulas, graves ou agudas. sem ditongos. zero onomatopeias. ausência de ditados. sons deitados para sempre. mutismo completo. seria a escrita suficiente? seria um papel à nossa frente a forma ideal de deitar cá para fora as vontades,

a máquina de lavar memórias é da ariston ou da aeg?

pergunto-me não raras vezes se algum dia será inventada uma máquina de lavar onde se possam pôr as memórias. tenho a certeza que sim. o homem inventa tudo. mas o homem que tem h grande, não levem a mal. só não me apetece usar maiúsculas, porque pagam um imposto muitíssimo mais caro. se até se conseguiu que andássemos no céu sentados numa cadeira a voar, ou arranjar aspiradores que andam sozinhos pela casa a aspirar (embora estes últimos não vão sozinhos ao frigorífico buscar cervejas, o que é uma infelicidade)... é, deve ser apenas uma questão de semanas ou meses até arranjar tal espécime de electrodoméstico. claro que uma máquina destas tem de ser programada com muito cuidado. porque o programa para lavar memórias boas e memórias más será tão diferente como um escaravelho o é de uma noz caramelizada. ninguém quer andar por aí a misturar memórias na máquina. já imaginaram quão trágico poderia ser debotar más memórias para uma límpida e clara recordação simpática? por vocês não

sopa de letras

" hear the meaning within the word. " aprendemos a ouvir, a olhar e a andar antes de aprender a falar. passamos por aquela fase de tamanha curiosidade em que olhamos para tudo como quem se maravilha com algo que vê pela primeira vez. o que é verdade. de repente aprendemos a falar, começando por balbuciar e finalmente juntando palavras para começar a nossa busca do sentido da vida. a meta essencial dessa fase está, quanto a mim, no dia em que aprendemos a ler. não sei como há quem não goste de ler. compreendo, respeito, mas não me entra na cabeça. a capacidade de ler as palavras dos outros (ou até de reflectir sobre o que nós próprios escrevemos) é o que nos dá a independência como ser humano único e diferente. e não ficamos nunca sequer dependentes das palavras alheias, é um erro pensar que sim. a nossa linha, a nossa filosofia, a nossa política, a nossa religião, são uma espécie de sopa, cujos ingredientes nos cabe acrescentar. caso optemos por renegar à leitura, aí

fronteiras

há poucos momentos de maior perfeição no desprendimento corporal do que aquele momento preciso de lusco-fusco pessoal em que estamos prestes a adormecer. naquela fronteira entre o estar cá e o estar lá, temos muito poucas certezas. sentimos que o corpo se torna mais leve, os sons mais difusos, as sensações mais indistintas. passamos tantas vezes por aquele repelão, uma espécie de queda em que acordamos de novo de repente para perceber que afinal está tudo bem. chego a acreditar que esse momento acontece por uma espécie de destino errado. acordamos para corrigir a rota e contornar as baixas pressões turbulentas, da melhor forma que conseguirmos. depois seguimos noite fora. sonhamos a cores, a preto e branco, em tons de sépia, em português, inglês ou noutra língua qualquer. alguns de nós até se levantam ou falam alto, tal é a intensidade com que conseguem viver a sua vida paralela nesta doce dimensão do sonho. mas o que para mim melhor caracteriza o momento em que largamos a cer

o mundo tem o passo curioso de um gigante anão

o mundo tem uma capacidade de mudar igual à do céu, que acorda azul, se torna cinzento eléctrico, e depois desaba, para acabar em tons laranja frio-quente e finalmente se esconder de preto ao longe e ao perto. depois de esborratar paredes de cavernas com sangue de animais, aquele pedaço de massa encefálica guardado por meia dúzia de ossos que assenta em cima da coluna cervical, descobriu não só formas de aquecer as patas dos animais para se refastelar, mas também a maravilhosa arte da escrita. seja papiro, papel ou parede, pouco importa, porque essa arte permitiu abandonar a solidão mental e partilhá-la com quem quer, e com quem não quer, ouvi-la com os olhos. nada há de mais perfeito do que a carta. a carta leva o cheiro das pessoas. a carta leva os nervos naquela perna do a, a paixão na força com que damos ar de final ao ponto, o desespero com que o 'teu' sai tremido da ponta da tinta, permanente, da china, à-prova-de-água ou à prova de tudo, pouco importa. vai num e

mórbido é uma palavra como outra qualquer

nunca percebi porque é que as pessoas detestam cemitérios. eu adoro cemitérios. um cemitério tem tudo aquilo que nos permite pensar sobre a vida. tem a morte como pseudo-motivo de existência. mas para mim isso é combustão para pensar na vida. cada campa, cada gaveta, cada bloco de pedra, conta uma história. no mínimo. porque na grande maioria dos casos conta milhares delas. a homenagem que lá fica escrita raramente o traduz. paralelipipedos de mármore com 'destes que tanto te amam' cunhado com escopo não dizem muito sobre a pessoa. é. só isso é que não gosto nos cemitérios. que os que ficam vivos despersonalizem aqueles cujos (meros) ossos ali são deixados. seria tão mais lindo porem "para o antónio, que comia sempre mais um prato de caracóis do que os outros todos" ou "para a luísa, que era a última a sair da água, nos dias quentes de verão, combatendo com o sol para ver quem se conseguia esconder da água mais tarde". além do mais são sítios bonito