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Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2013

o óptimo ser inimigo do bom

há um conforto quase uterino em se fazer aquilo que se é suposto fazer. seguir as linhas da vida como elas foram traçadas, tentar continuar gerações seguindo o que vem de cima, num ritmo igual ou melhor, e continuar gerações abaixo, trazendo ao mundo quem repita o quadro. com raras excepções é essa a vida que quase todos levamos, autómatos do carrossel em que nos puseram, com uma pseudovontade de mudar, escondida por trás do conforto de em vez disso simplesmente ficar. o risco é uma aversão aos nossos genes. fica bem assumir que se arrisca. é romântico afirmar que se mergulha de cabeça numa qualquer montanha russa ou que se muda a vida num segundo como se ela própria de uma montanha russa se tratasse. mas quase sempre esse é um risco calculado. o nosso calculismo não é diferente do do leopardo que persegue a sua presa ou do do elefante que se move em manada. a nossa tão brilhante (semi-ironia) razão até adensa a complexidade desse calculismo. depois há o salto no escuro. há a vonta

acreditar é logo um primeiro passo

não querendo correr o risco de me tornar um jean de la fontaine (até porque tenho 'jean' no nome, mas noutra língua), num destes dias de neve houve um esquilo que me deixou a pensar. vi o dito animal saltar de uma árvore para o meio da neve e andar ali mais de vinte minutos para um lado e para o outro, para cima e para baixo, em busca de comida onde claramente ela não existia. não questionando a inteligência do animal, que eventualmente se guiaria meramente pelo instinto, não deixa de ser enternecedor vê-lo a lutar por aquilo em que acredita. seja isso uma bolota ou uma posição sobre o que está mal no mundo.

corin hewitt

recomendo, quando vos calhar ' no caminho ', a obra do corin hewitt. sendo inicialmente canalizador, foi descobrindo ao abater paredes de casas para trabalhos de restauro que no interior das paredes se encontravam os mais variados objectos  possíveis e imaginários, desde malas com dinheiro, a quadros roubados, a livros, cartas de amor, e muitos outros. isso inspirou as suas criações, que pretendem mostrar várias histórias possíveis de ser contadas atrás de uma parede depois de retirada a tinta que nos separa de todo esse mundo escondido. MOCA Cleveland, Corin Hewitt:The Hedge

reciclar tempo de vida

tempo perdido é uma coisa que não existe. porque ele não se perde, quando muito consome-se. o que há é boas e más formas de utilizar o tempo que temos, esse que varia tanto, e que chega em demasia a uns e tanto escasseia para outros. um dos erros mais frequentemente cometidos é chorar a má utilização do tempo no passado. só esse tempo de lamento já é mais tempo mal gasto, por isso é sempre boa ideia sair da bola de neve quanto antes (não quero arriscar ver-vos no fundo do vale enrolados numa esfera com milhares de ramos de árvore, penso sempre no vosso bem). uma das principais resoluções que fiz, ainda bem pequeno, foi prometer a mim mesmo que ia aprender pelo menos uma coisa nova por dia durante o resto da minha vida. sendo que podem estender este conceito aos vossos âmbitos profissionais, pessoais ou metafísicos, oportunidades não faltam. o princípio está lá para tentar impedir que caia no marasmo. e mesmo nos dias em que o conhecimento de algo de novo parece não poder chegar de

por alguma coisa saímos da idade da pedra

sempre me intrigou o fenómeno do bife na pedra. imagino o homem pré-histórico, saído da sua caverna, sem grandes jornais para ler ou sites da internet para pôr as notícias em dia, a ter de passar o tempo a caçar (um misto de necessidade alimentar e diversão). não tendo ainda dado conta do fogo, terá havido um primeiro indivíduo com dentição mais sensível que se revoltou e disse "não! isto assim não! acho impossível ter de comer estes nacos de búfalo todos crus, eu não tenho dentes de sabre e o meu primeiro nome não é tigre!". vai daí, o indignado, descobriu que os calhaus do lado de fora da caverna, por volta do meio-dia, em dias de verão, estavam a ferver de uma maneira que queima pés. sentindo os seus pés a arder teve a brilhante ideia de colocar um naco de carne em cima desses mesmos calhaus e assim foi inventado o primeiro bife na pedra. ora, julgo, embora possa estar enganado, que depois disso já passaram uns quantos anos. não só foi inventado o fogo como até foi des

uma questão de prioridades

há muita coisa que me deixa indignado. mas uma das que mais indignado me deixa é a humanidade ter as suas prioridades todas trocadas. não consigo conceber que o homem já tenha ido à lua mas ainda não tenha tratado com cuidado um assunto de muitíssimo maior importância - o equilibrismo de café. se o meu objectivo fosse ser equilibristo-malabarista ter-me-ia inscrito no chapitô ou trabalhava no circo atlas em vez de ir tomar o pequeno-almoço a um qualquer café. fico sempre na dúvida se estou ali para tomar pacatamente a primeira refeição do dia ou para participar numa versão renovada dos gladiadores americanos. peço um galão, que chega todo garboso no seu copo alto, e pespegam com o dito num pequeno e ridiculamente instável pires. entretanto dão-me outro pequeno prato com um croissant em equilíbrio instável. pego nesses dois companheiros e inicio a desafiante prova de atravessar toda uma sala cheia de gente plena da sua fúria matinal, aquela raiva de quem tem pressa de ir fazer o que

tudo são puzzles

nunca fui dos maiores fãs dos tradicionais puzzles. por mais elevada que seja a inteligência espacial de quem num ápice consegue juntar milhares de recortadas peças, para no fim formar uma fotografia, a mim parece-me uma considerável perda de tempo, quando se conseguiria obter muito mais facilmente a mesma fotografia com menos luta. isto porque trezentas peças azuis, praticamente iguais, que correspondem, em teoria, a pedaços de "céu", podem ser um desafio, mas também podem roçar a tortura. o conceito do puzzle, no entanto, fascina-me. fascina-me porque acaba por ser uma metáfora de tudo aquilo que temos, fazemos e procuramos na vida. é a imagem de que tudo é formado por pequenas peças e que o nosso conhecimento de todas as coisas, palpáveis e não palpáveis, é muitas vezes essa fotografia final, que nas nossas naturais limitações não dá para obter logo de caras, e só juntando todas (ou quase todas) as peças é possível ter uma imagem mais clara daquilo que na verdade estamos

a insustentável estupefacção pela ausência de vidas extra

tive a sorte de crescer ao mesmo tempo que os vídeojogos cresciam. numa época em que o triunvirato da diversão, felizmente, se dividia entre bons livros, brincadeiras de rua e os referidos vídeojogos. dos livros não preciso de falar porque das maiores vantagens competitivas do mundo é saber e gostar de ler. se houver dinheiro compram-se, se não houver vai-se a uma biblioteca, mas não há qualquer desculpa (pelo menos para nós, os felizardos do mundo ocidental) para dizer que não se aprendeu mais sobre mais coisas porque não se teve oportunidade para isso. quando muito pode escassear o tempo, mas já há muito tempo concluí que o tempo (ou a falta dele) depende mais da forma como organizamos a sua qualidade do que da importância que pomos na sua quantidade. as brincadeiras de rua são outro pilar importante do mergulho nas nossas raízes animais. somos seres vivos nascidos da natureza e à natureza vamos parar. tornámo-nos tão brilhantes na engenharia das nossas vidas que nos fechámos

as ruínas

acho incrível a importância que é dada a tudo o que são castelos, templos, antas, dolmens, caras gigantes em ilhas do pacífico, etc., que se catapultam para fenómeno turístico porque são ruínas de algo que já foi grande. acho incrível sobretudo a nossa vontade de atravessar o mundo, e largar fundos, para tudo isso visitar, quando cada um de nós carrega no coração ruínas de si próprio e raramente as visita. o senso comum tende a achar que o que digo não é verdade, e que nos lembramos sempre, em sofrimento (então se formos portugueses o sofrimento é barrado com molho de hipérbole), de todas as coisas más que atentaram contra a vida desse nosso órgão tão importante. mas essa é só metade da história. em abono da verdade o que fazemos é olhar para as clareiras, para os prédios caídos, e para a imagem do que foi. e aqui falo da ilha da páscoa como falo do coração. falta-nos o exercício de re-imaginar o que era. olhar para os templos incas como se estivessem acabados de inaugurar e cheios

altas resoluções

tenho para mim que temos de ser mais drásticos nas medidas coercivas para controlar as resoluções de ano novo. a trinta e um de dezembro de cada ano vejo toda a gente a prometer que vai perder peso, que vai trabalhar e concentrar-se mais, e que vai fazer tudo e mais um par de botas para ter um ano melhor. trezentos e sessenta e cinco dias depois geralmente leio o mesmo, o que me faz acreditar que, das duas umas, ou isto é por ciclos (e as resoluções funcionam para os primeiros seis meses e vão ao ar nos seis seguintes) ou então a humanidade é dotada de uma espectacular capacidade de prometer que vai fazer coisas mas de um terrível deficit de vontade slash concentração para acompanhar tanto wishful thinking. (slash como em "barra", não como em guitarrista dos guns n' roses) várias coisas poderiam ser feitas para melhorar o prognóstico das resoluções de ano novo. calma. sei que por momentos acharam que ia sugerir aumentar mais dois ou três impostos e reduzir-vos os s