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o óptimo ser inimigo do bom

há um conforto quase uterino em se fazer aquilo que se é suposto fazer. seguir as linhas da vida como elas foram traçadas, tentar continuar gerações seguindo o que vem de cima, num ritmo igual ou melhor, e continuar gerações abaixo, trazendo ao mundo quem repita o quadro. com raras excepções é essa a vida que quase todos levamos, autómatos do carrossel em que nos puseram, com uma pseudovontade de mudar, escondida por trás do conforto de em vez disso simplesmente ficar.

o risco é uma aversão aos nossos genes. fica bem assumir que se arrisca. é romântico afirmar que se mergulha de cabeça numa qualquer montanha russa ou que se muda a vida num segundo como se ela própria de uma montanha russa se tratasse. mas quase sempre esse é um risco calculado. o nosso calculismo não é diferente do do leopardo que persegue a sua presa ou do do elefante que se move em manada. a nossa tão brilhante (semi-ironia) razão até adensa a complexidade desse calculismo.

depois há o salto no escuro. há a vontade da perfeição. que tem o passo todo trocado com a satisfação. o perfeccionismo tem o condão de pintar de dourada a obsessão de tentar ser feliz. mas algures pelo meio o próprio conceito de felicidade ganha contornos de amnésico e acontece-lhe muitas vezes o mesmo que a uma torrada que ficou demasiado tempo para lá do que uma torrada merece viver dentro de uma torradeira.

ninguém descobriu até hoje a pólvora, não creio que vá portanto ser descoberta hoje, ou mesmo amanhã, mas creio que a luta pela perfeição choca tanto com a impossibilidade de plena satisfação que, em muitos casos, a aceitação passiva de uma felicidade como a que é vendida pela rua fora traria muito mais paz muito mais depressa do que andar à procura dela nos escuros cantos das casas onde vivemos.

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