Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de 2011

há sempre estrelas no céu a dourar o meu caminho

há muitas teorias sobre quem está no céu. mas as estrelas, pontificam lá de certeza. podem lançar a hipótese de que quando as moléculas se desintegram a "alma", vamos lá, gira em espiral e se vai acomodar no céu. contem de geração em geração que um senhor de barbas lá mora e tudo comanda. imaginem deuses com oito braços, atentos e vigilantes noites fora, sobre o comum dos mortais. façam isso tudo sem se chatearem uns com os outros, de preferência. eu cá não tenho grandes certezas sobre o que está no parágrafo acima. humildemente falta-me essa capacidade aparentemente tão universal de ter certezas sobre tanta coisa. tenho outra certeza, que me satisfaz plenamente (como era bonito ver isto escrito nos testes da primária... é quase poesia classificar um exame escrito com um advérbio de modo). a de que o céu estrelado me acalma, me preenche, me dá a paz que tantos procuram noutros amuletos ou imagens. sentir que com a ponta dos meus dedos consigo dar piparotes em buracos negro

when you're smiling

já dizia o fantástico louis armstrong que " when you're smiling the whole world smiles with you ". os meus domingos de manhã ultimamente têm esta melodia a correr-me nas veias. mudei-me para cleveland há quase dois meses. apesar do meu frequente contacto rural e nomadismo, sempre fui um menino da grande cidade, um morador em capitais, um perfeito urbano, viciado nos vícios do urbanismo e feito de sopros que se confundem ao mesmo tempo com rios, castelos, betão, azulejos ou ferro. sempre habituado ao fervor de uma cidade com programação interminável, perguntava-me como iria ser adaptar-me a um mundo totalmente novo e diferente. sobretudo num país que nós, europeus, vemos com tanta desconfiança, por motivos históricos recentes e pela nossa competitividade natural. cleveland é uma cidade, no geral, vítima de decadência. as únicas excepções são o galopante polo científico e universitário, de qualidade mundial e em crescimento, motivo pelo qual aqui vim parar. praticamente t

novelos de filosofia

tenho o terrível defeito de nunca deixar as palavras entrar por um ouvido e sair pelo outro, sem as prender para instantâneo ou posterior processamento. defeito, sobretudo, porque o meu armazém mental deve parecer-se com aquelas cidades de construção de electrónica dos chineses, em que noventa e cinco por cento do espaço é ocupado por lixo tóxico, e apenas nuns cinco por cento desta pilha há fábricas de onde saem bonitos aparelhos, que dão novos mundos ao mundo e novos dígitos às contas de silicon valley, shangai e por aí fora. guardo particular cuidado para processar as palavras mais inesperadas. ninguém nos precisa de dizer "olha, tu lê com atenção esse livro do proust porque é muito interessante" ou "deves tentar interpretar bem o que o garcía marquez queria dizer com isso". para esses estamos preparados. com mais ou menos expectativa, sabemos ao que vamos. partimos vestidos de indiana jones em busca de templos perdidos no meio de infindáveis páginas. ligamos o

circo de pulgas

sentado num banco, fisicamente parado, mas com a cabeça em turbilhão, observo o mundo a girar à minha volta, perdendo-me nos milhões de histórias possíveis para os milhões de pessoas que vão passando. são muitas as combinações possíveis. tantas, tantas, que até são mais arranjos que combinações (sim, tinha esta pérola de matemática do décimo segundo ano guardada para usar num qualquer texto de futuro). aquele senhor todo bem posto, engravatado, dá ar de empresário de razoável sucesso, encaminhando-se para mais uma reunião, onde se vai conversar muito e decidir pouco. estabelecer muitas colaborações. criar muitas pontes. desenvolver muitas ideias. homogeneizar pontos de vista. quando sair de lá, perceberá que ficou tudo na mesma. como em noventa e nove vírgula nove por cento das reuniões. por trás da imagem de empresário de pseudo-sucesso imagino os vícios e desvios de personalidade deste alguém... perante a sociedade cada um mostra a face que consegue construir. sendo mais habilidoso

esfero, vi-te

são pedaços brancos e esféricos de poliestireno. isolados, individualmente, não têm grande uso. quando unidos e compactados perdemos a conta à quantidade de utilizações a que se prestam no dia-a-dia, ou até na noite-a-noite (bolas, nunca ninguém dá o devido valor a esta última). por esse mesmo motivo, acho o esferovite uma óptima metáfora da sociedade. o pior é que ninguém respeita muito o esferovite. é usado e deitado fora. é quebrado por dá cá aquela palha, quando a palha não serve nem para metade do que o esferovite serve. é destruído em pedaços por crianças cegas por descobrir que presente afinal vem dentro da caixa. sodomizado por donas de casa, que apenas querem ver a brilhante misturadora sair da caixa de cartão. claro que há esferovites mais felizes. os dos barcos, por exemplo. são uma espécie de banksy dos materiais sintéticos. toda a gente admira o seu trabalho, mas ninguém sabe quem ele é. o esferovite tem um papel fundamental em impedir que os barcos se afundem. sei que p

eclipses

num filme que vi recentemente, gente simples discutia o porquê de se querer ver um eclipse: " então ontem não veio para a rua ver o eclipse? " " qual? o da lua? " " sim, o da lua! foi às 2h30, de madrugada! " " não, esse não gosto, só o do sol! " " só o do sol? então porquê? " " porque o da lua não tem piada nenhuma. há tantas noites em que a lua desaparece. não percebo porquê o fascínio de ver a lua a desaparecer... " o fascínio com os eclipses deve ser tão antigo como a existência da vida na terra. se é verdade que os da lua são, para além de relativamente frequentes, muito sensaborões, os do sol já têm todo outro sabor especial. basta vermos o desatino caótico em que fica a vida durante um eclipe do sol. os animais, durante um eclipse total, largam os pastos e desatam a correr desenfreadamente na direcção dos seus abrigos, em pânico sem perceber bem como é que o dia acabou tão depressa e sem avisar, como habitualmente faz.

he and the devil

escrever sobre a morte é consideravelmente mais difícil do que escrever sobre a vida. não que tenha pejo em fazê-lo. já o fiz algumas vezes e continuarei a desafiar a ausência de vida com os mesmos pincéis com que devoro a presença explosiva da mesma. creio que o ponto mais sensível em relação à morte é tentar perceber o limbo final. entre os crentes, os não-crentes, os anti-crentes e os pseudo-crentes, ninguém se decide se afinal há um túnel, com ou sem luz lá no fim. não há consenso em relação a elevadores com dupla direcção nuvens-centro da terra. não há memória fotográfica de prados verdes com gente vestida de branco (por acaso, não sei porque é que a imagem de céu das pessoas é uma espécie de sensation white gigante... será que o tiesto e o armin van buuren têm lugar garantido no céu à custa dessa brincadeira?). nem tão pouco de grutas profundas, com rios de fogo e seres vestidos de vermelho e preto, com corninhos, caudas pontiagudas e tridentes. se bem que neste último estou mai

porque é que as nuvens são feitas de algodão doce?

tentei descobrir porque é que as nuvens são feitas de algodão doce. mesmo aquelas muito escuras, de certeza que só o são assim porque a senhora da feira deixou o fuso que enrola o açúcar aquecer demais e ficou tudo queimado. apesar de tudo há algum engenho nesta arte, porque máquinas grandes o suficiente para fazer toda esta enormidade não são nada fáceis de esconder. chego a acreditar que há prédios mascarados de prédios só para manter secreta a produção em larga escala de nuvens, doces como os céus em que pontificam. todas as outras voltas que as nuvens dão, são brinquedos de criança. nada assusta verdadeiramente. o que são flocos de branco, cinza ou azul eléctrico ao pé de tantas outras coisas muito mais impressionantes? um tornado é um menino, ao pé da força que tem o mar, quando invade a areia sem permissão e lhe impõe a sua força e o seu sal. ou a água que cai deste algodão e é capaz de escavar rochas e fazer de alguns canyons grandes, só porque é essa a sua vontade de escorre

saltar ao eixo

quando de vez em quando apanho uma nuvem para andar a brincar aos holofotes por cima de serras, lagos, casas e eslapilos, fico sempre com vontade de dar um pontapé no eixo da terra, só por mera diversão. sei que posso perfeitamente parar a rotação da terra. ou até bem mais engraçado, pôr a galáxia à volta a rodar à mesma velocidade que a terra gira, e rir-me do desespero alheio ao ver que o dia nunca teria fim para uns e nunca teria princípio para outros. brincar com os astros é quase tão bom como uma sangria de champagne e frutos silvestres, servida num jarro que vem a transpirar de gula, numa qualquer noite de um qualquer dia de verão. perco-me a imaginar seitas sem fim a anunciar que o mundo agora ia mesmo acabar, que estava escrito nas estrelas. tretas. como é que podem achar que sabem ler os textos das estrelas, quando a tinta que é usada para esses livros já está muitas vezes apagada há centenas de anos? claro que como as palavras são quase tão persistentes como a raiz de um sa

mercado dos sentimentos

no mercado dos sentimentos, nunca há duas manhãs iguais. não podia ser de outra forma. afinal é um mercado sem compradores ou vendedores, apenas trocadores. desde que foi inventado (na minha cabeça, já só falta registar a patente) tem sido a melhor experiência-piloto de sempre. embora não goste de dar à minha experiência nomes de cães que roubam bouquets de casamento, para que fique claro. dentro deste mercado ouve-se perguntar: “ não quer levar um bocadinho de saudade? hoje está aqui que é uma maravilha! saudade tenra como já não se faz ” “ não, obrigadinho, deixe lá. já levo aqui trezentos e cinquenta de nostalgia. depois são sentimentos a mais para o fim de semana ” “ então e euforia? se leva nostalgia, porque é que não a salteia e acompanha aqui com esta euforiazinha que está mais fresca do que a manhã?” “ hmm, e quanto custa?” “ olhe, só porque é para si faço-lhe a cinco beijos o quilo!” “ oh, muito obrigado. ponha lá meio quilo então, que dias não são dias”. e andamo

ensaio sobre o mutismo

um clube para o silêncio. a ideia tinha de sair da cabeça do mestre david, não o beckham nem o rei de outras eras, apenas aquele que pega num rolo de película e dá novos mundos ao mundo, desertando do convencional e do terreno palpável e seguro. dizia ele que o truque do silêncio numa música é não haver banda. tragam a voz, e podemos nós próprios sentir o som de qualquer instrumento. ouvi-lo em surdina, cheirá-lo em tons elevados, devorá-lo em compassos incertos. será o mesmo com as palavras não cantadas? como seria um mundo em que ninguém conseguisse falar? não preciso de perguntar o mesmo em relação a um onde ninguém conseguisse ouvir, porque essa é um pouco a história da nossa actualidade. mas, e um mundo do silêncio puro da emissão? sem esdrúxulas, graves ou agudas. sem ditongos. zero onomatopeias. ausência de ditados. sons deitados para sempre. mutismo completo. seria a escrita suficiente? seria um papel à nossa frente a forma ideal de deitar cá para fora as vontades,

a máquina de lavar memórias é da ariston ou da aeg?

pergunto-me não raras vezes se algum dia será inventada uma máquina de lavar onde se possam pôr as memórias. tenho a certeza que sim. o homem inventa tudo. mas o homem que tem h grande, não levem a mal. só não me apetece usar maiúsculas, porque pagam um imposto muitíssimo mais caro. se até se conseguiu que andássemos no céu sentados numa cadeira a voar, ou arranjar aspiradores que andam sozinhos pela casa a aspirar (embora estes últimos não vão sozinhos ao frigorífico buscar cervejas, o que é uma infelicidade)... é, deve ser apenas uma questão de semanas ou meses até arranjar tal espécime de electrodoméstico. claro que uma máquina destas tem de ser programada com muito cuidado. porque o programa para lavar memórias boas e memórias más será tão diferente como um escaravelho o é de uma noz caramelizada. ninguém quer andar por aí a misturar memórias na máquina. já imaginaram quão trágico poderia ser debotar más memórias para uma límpida e clara recordação simpática? por vocês não

sopa de letras

" hear the meaning within the word. " aprendemos a ouvir, a olhar e a andar antes de aprender a falar. passamos por aquela fase de tamanha curiosidade em que olhamos para tudo como quem se maravilha com algo que vê pela primeira vez. o que é verdade. de repente aprendemos a falar, começando por balbuciar e finalmente juntando palavras para começar a nossa busca do sentido da vida. a meta essencial dessa fase está, quanto a mim, no dia em que aprendemos a ler. não sei como há quem não goste de ler. compreendo, respeito, mas não me entra na cabeça. a capacidade de ler as palavras dos outros (ou até de reflectir sobre o que nós próprios escrevemos) é o que nos dá a independência como ser humano único e diferente. e não ficamos nunca sequer dependentes das palavras alheias, é um erro pensar que sim. a nossa linha, a nossa filosofia, a nossa política, a nossa religião, são uma espécie de sopa, cujos ingredientes nos cabe acrescentar. caso optemos por renegar à leitura, aí

fronteiras

há poucos momentos de maior perfeição no desprendimento corporal do que aquele momento preciso de lusco-fusco pessoal em que estamos prestes a adormecer. naquela fronteira entre o estar cá e o estar lá, temos muito poucas certezas. sentimos que o corpo se torna mais leve, os sons mais difusos, as sensações mais indistintas. passamos tantas vezes por aquele repelão, uma espécie de queda em que acordamos de novo de repente para perceber que afinal está tudo bem. chego a acreditar que esse momento acontece por uma espécie de destino errado. acordamos para corrigir a rota e contornar as baixas pressões turbulentas, da melhor forma que conseguirmos. depois seguimos noite fora. sonhamos a cores, a preto e branco, em tons de sépia, em português, inglês ou noutra língua qualquer. alguns de nós até se levantam ou falam alto, tal é a intensidade com que conseguem viver a sua vida paralela nesta doce dimensão do sonho. mas o que para mim melhor caracteriza o momento em que largamos a cer

o mundo tem o passo curioso de um gigante anão

o mundo tem uma capacidade de mudar igual à do céu, que acorda azul, se torna cinzento eléctrico, e depois desaba, para acabar em tons laranja frio-quente e finalmente se esconder de preto ao longe e ao perto. depois de esborratar paredes de cavernas com sangue de animais, aquele pedaço de massa encefálica guardado por meia dúzia de ossos que assenta em cima da coluna cervical, descobriu não só formas de aquecer as patas dos animais para se refastelar, mas também a maravilhosa arte da escrita. seja papiro, papel ou parede, pouco importa, porque essa arte permitiu abandonar a solidão mental e partilhá-la com quem quer, e com quem não quer, ouvi-la com os olhos. nada há de mais perfeito do que a carta. a carta leva o cheiro das pessoas. a carta leva os nervos naquela perna do a, a paixão na força com que damos ar de final ao ponto, o desespero com que o 'teu' sai tremido da ponta da tinta, permanente, da china, à-prova-de-água ou à prova de tudo, pouco importa. vai num e

mórbido é uma palavra como outra qualquer

nunca percebi porque é que as pessoas detestam cemitérios. eu adoro cemitérios. um cemitério tem tudo aquilo que nos permite pensar sobre a vida. tem a morte como pseudo-motivo de existência. mas para mim isso é combustão para pensar na vida. cada campa, cada gaveta, cada bloco de pedra, conta uma história. no mínimo. porque na grande maioria dos casos conta milhares delas. a homenagem que lá fica escrita raramente o traduz. paralelipipedos de mármore com 'destes que tanto te amam' cunhado com escopo não dizem muito sobre a pessoa. é. só isso é que não gosto nos cemitérios. que os que ficam vivos despersonalizem aqueles cujos (meros) ossos ali são deixados. seria tão mais lindo porem "para o antónio, que comia sempre mais um prato de caracóis do que os outros todos" ou "para a luísa, que era a última a sair da água, nos dias quentes de verão, combatendo com o sol para ver quem se conseguia esconder da água mais tarde". além do mais são sítios bonito

caro céu

caro céu, percebo que por vezes fiques um pouco revoltado com esta mania do ser humano de tentar explorar os teus limites. toda essa raiva que descarregas quando sentes que algo não corre da forma que pensaste, é compreensível. no entanto, tens de saber relativizar as coisas... tu és infinito. com tanto espaço que tens, para quê andar a embirrar apenas porque meia dúzia (para ti são menos do que micro-formigas) de conjuntos de lata te atravessam todos os dias, cheios de pessoas que vão à procura de sonhos, vão de volta à família, vão fingir que são de um planeta diferente no seu próprio planeta ou vão apenas em trabalho para levar todos estes? mesmo os satélites e foguetões, são menos incómodos para o teu todo do que aquele bocadinho de pó que entra para o olho com o vento e ali fica a irritar horas a fio. nunca te vi ficar tão irascível com cometas ou cometas-like. e esses atravessam-te com violência e sem pedir autorização. serás tu, céu, não mais que um míudo mimado e sem c

porque nostalgia não é só o nome de uma rádio

quem seja honesto não pode dizer que se lembra muito bem dos cerca de nove meses que passou dentro de uma barriga, refastelado no conforto do quentinho e amortecido de todos os males do mundo, mas ao mesmo tempo alheio a todas as maravilhas que ele tem para oferecer. passado esse tempo, levamos todos uma espécie de cartão vermelho, com direito a expulsão. mas expulsão das boas, porque em vez de ir tomar banho mais cedo para o balneário, saímos para a terra dos arco-íris, pores-do-sol e florestas de sequóias gigantes. não faz mal não nos lembrarmos desses nove meses, porque a vida se encarrega de nos fazer sentir repetidamente a mesma sensação. o que eram úteros passam a ser grupos, o que era líquido amniótico passam a ser amigos e aqueles vasos que nos traziam nutrientes passam no fundo a ser a intensidade da vida que vivemos. ontem, hoje e amanhã, acabamos por criar um determinado grupo, com o qual nos identificamos, criamos laços fortes, temos uma rede forte, quase sem buracos

definição do amor

CHORAR EM PÚBLICO Miguel Esteves Cardoso – 28-11-2011 " Quando sair este jornal, a Maria João e eu estaremos a caminho do IPO de Lisboa, à porta do qual compraremos o PÚBLICO de hoje. Hoje ela será internada e hoje à noite, desde o mês de Setembro do ano passado, será a primeira vez que dormiremos sem ser jun...tos. ... O meu plano é que, quando me expulsarem do IPO, ela se lembre de ir ler o PÚBLICO... e leia esta crónica a dizer que já estou cheio de saudades dela. É a melhor maneira que tenho de estar perto dela, quando não me deixam estar. Mesmo ficando num hotel a 30 passos dela, dói-me de muito mais longe. ... O IPO consegue ser uma segunda casa. Nenhum outro hospital consegue ser isso. Podem ser hospitais muito bons. Mas não são como uma casa. O IPO é. Há uma alegria, um humor, uma dedicação e uma solidariedade, bem-educada e generosa, que não poderiam ser mais diferentes da nossa atitude e maneira de ser - resignada, fatalista e piegas - que são o default instituci

diamantes perdidos nos himalaias

perdido no meio de uma montanha daquelas que estão nas mais altas montanhas que o mundo conhece, encontrei um monge budista e resolvi perguntar-lhe algo que sempre me tinha suscitado curiosidade "o que é que o budismo tem a dizer sobre tatuagens". durante tempo e tempo a fio, que com um monge budista parece sempre tempo a menos, explicou-me que duas correntes completamente opostas existem sobre a matéria. os 'contra' defendem que tatuar o corpo é criar uma marca definitiva, indo totalmente contra o princípio de desprendimento material, extensível ao próprio corpo. os 'pro' contrariam, dizendo que tatuar o corpo é a prova mais fantástica e evidente de desprendimento físico e que a prática deve ser incentivada. como eles são budistas, falam sobre isto horas e não acabam fulos de raiva. discutem com argumentos nos olhos e nas línguas e não com duas pedras na mão. de facto concordo mais com uma das correntes. tal como li recentemente escrito pelo josé luí

não são só quatro rodas e uns eixos

em virtude da minha migração próxima, soube hoje que o meu carro também vai migrar à sua maneira, com a minha partida. deve ser muito mais bonito fazer-se um texto sobre carros quando se anda a conduzir um aston martin ou um lexus, mas cada um é para o que nasce e eu e o meu carro estamos assim um para o outro. quem diz que os objectos não têm sentimentos não percebe nada disto. a fuga ao materialismo puro deve, com toda a certeza, afastar-nos de sobrepor os objectos às manifestações mais profundas da emocionalidade, mas há objectos que ganham um lugar tão especial no nosso eixo coração-mente-história. é impossível não associá-los ao nosso crescimento pessoal, às alegrias da vida, aos dias difíceis, ao lugar especial, ao lugar terrível, à chuva que inundou o para-brisas e ao sol que aqueceu o couro do volante e o fez ter aquele cheiro de pos-pôr-do-sol, que puxa apenas a condução lenta até ao quarto, por entre as pestanas cheias de sal, para um banho rápido e um encaminhar para a

a espuma das noites

tenho um dicionário próprio a partir das três da manhã. acho que isso é a prova exacta e científica de que o mundo muda a essa hora. os brilhos têm uma tangente diferente. os copos ganham uma espécie de fluorescência própria. os corpos ganham uma tendência flirtantemente diabólica. a lua faz de conta que é o sol e o sol nem esgrime a tentativa de parecer que é a lua. fecham-se portas no momento em que se acendem luzes. os vidros partidos são espalhados por ruas, tapetes e entradas, como ânsia de homenagem ao desequilíbrio natural da falta de luz. as palavras do meu dicionário não são só diferentes nas letras que as unem. têm cores, que durante o dia andam muito mais fugidas. há letras amarelas, azuis, verdes, encarnadas, fuchsinzento, pratadeado ou amarelilás. as que existem, as que não existem e as que estão à espera de passar a existir. porque este dicionário é escrito a cada momento, numa espécie de acordo inteligentográfico feito entre as páginas do próprio dicionário, num

seguir os sonhos é no fundo terrivelmente idiossincrático

nunca acreditei em sonhos. pelo menos não no sentido vulgar que lhes costumam dar. voltei a pensar nisto nos últimos dias, porque me lembraram do livro de interpretação que o freud escreveu sobre os sonhos, com o qual me deleitei ainda jovem (sim, na altura em que não tinha contracturas do trapézio como esta que me atormenta agora). e também voltei a pensar nisso por algumas outras coisas. que têm quase tanta importância para o assunto como o ponto de rebuçado tem para o caramelo. o sonho não o é. acredito em convicções. acredito em vontades. os sonhos não são mais do que a coragem de realizar essas vontades, de pôr no papel da vida as ideias que fervilham, ali entre uma circunvolução e outra, repousando calmamente em pescoços acéfalos. quando nos deitamos à noite. melhor, quando adormecemos à noite, desligamos o nosso censor, e os nossos atrevimentos ganham cor, ganham luz e são vendidos no mercado das emoções como sonhos. mas é só um nome bonito para as coisas. inventado ape

creio que a melhor forma de alguém se encontrar é perdendo-se

detesto a calma. acho que já bati nesta tecla. mas eu adoro bater em teclas. sejam de macs ou de steinways. por isso não me escandalizo por voltar a bater-lhe. no fim de um dia de cansaço e de trabalho infindável, nada me sabe melhor do que recolher ao meu caos. perdido entre livros espalhados no sofá, mesa e chão (só nos últimos cinco minutos já pisei o borges e lixei um dedo no palahniuk), com a discolette a entrar-me nos ouvidos patrocinada por uns phones vermelhos conspirativos, olho para os sons da escuridão e o que cheiro é o tumulto da vida. sinto que podiam estar milhares de seres vivos em plena harmonia autista neste momento. devorar sons é para mim um hobby (sim, o acordo ortográfico que se) que me permite uma espécie de sincronização de fim do dia. no fundo, não somos todos mais do que iPhones (com um ou outro blackberry teimoso) e adoramos regressar de vez em quando à nossa dock para voltar a ficar com a barra no verde. e que bem que sabe ficar com a barra no

o açúcar em pó, eu e aquela cena meio redonda chamada mundo

conheci um homem que largava palavras nas folhas como quem espalha açúcar em pó sobre um bolo de cenoura. a teoria dele é que nunca se polvilha nada com formas muito direitinhas. quem quiser perfeição fica em casa a organizar as meias por cores ou as camisas por tipo de colarinho. quem espalha o açúcar como quem lança notas de cem dólares ao ar, depois de ganhar um jogo de poker em las vegas, vê a vida de uma forma impagável. penso em todas as estradas que ainda tenho por fazer. imagino artérias cheias de sangue pulsátil, imparável, em que eu navego consumindo tudo o que têm para me dar. desertos, florestas, montanhas, lagos. nem paro para comer. janto serras. janto lagos. de que serve fingir que há funções vitais a manter quando há tanto mundo para conhecer? a vertigem da velocidade puxa por mais velocidade. quem acelera a sério sabe bem que quanto mais rápido vamos mais confortável é o desconforto da velocidade acima. o mundo de quem o vive devagar é tão diferente de quem o

dei por mim a pensar, daquela forma que quase sai fumo pelos ouvidos

gosto muito de ler sobre a crise. de ver muitos programas sobre a crise. de ouvir muitos especialistas a falar sobre a crise. ou aqueles que não são especialistas de coisa nenhuma, mas que falam da crise como se de alguma coisa fossem especialistas. nem de outras coisas o são, muito menos da crise. mas a crise é sem dúvida um óptimo tema para abrir telejornais. dez minutos para os ratings. outros dez para o comportamento dos mercados. ainda sobram dez minutos para falar das reuniões de concertação social, que são o equivalente a juntar um benfiquista e um sportinguista numa tasca em dia de derby - já se sabe que sai de lá tudo com um olho à belenenses, para democratizar o gosto clubístico lisboeta. os últimos dez minutos podem ficar para falar do mourinho, da lesão do tendão do ronaldo e da cor de cabelo do jorge jesus. facilmente caímos no 'ai jesus' (o da cruz, não o do benfica) da depressão profunda e contínua de quem vai para uma crise sem fim à vista e, no meio desse pâ

os verdes anos do carlos paredes ressoam ecos nas paredes da memória através de polaroids de outros tempos

nostalgia. uma palavra tão válida, que até dá para dar nomes a rádios. bem, isso talvez não seja critério, porque senão tenho de escrever um texto sobre a validade de coisas como "amadora de alenquer" ou "alma viva", também nomes de rádios. sou meramente semi-nostálgico. adoro o passado, da mesma forma que venero o presente e endeuso o futuro. acho que tudo tem o seu lugar. o tempo traz uma nova forma de ver as coisas. sinto que há momentos do passado que pareceram tão claramente amargos, mas o tempo encarrega-se de os tornar agri-doces. ou aqueles bem azedos, que deixados a repousar em banho-maria uns quinze/vinte anos parecem abrir em todo o seu esplendor, mimetizando trufas deixadas a apurar debaixo de terra, trazendo consigo lá de longe tudo menos azedume. dos vários 'eus' que percorremos toda a vida, a infância nunca vai perder o seu canto especial. julgo mesmo que a infância é o esplendor da exploração. achamos que não, que é no pico da capacida

esfiquinhazes pedras de toque

despe o que tens vestido e atira com as guardas dessa auto-estrada à cara daqueles que não acreditam que os girassóis um dia se podem lembrar de girar ao contrário. só porque sim. ninguém obriga ninguém a nada. a morte à definição seria a abertura da caixa de pandora da delícia. estou a imaginar tudo muito bem na sua vidinha e, de repente, vai-se a gravidade que lhes venderam como absoluta e aparece outra gravidade, a da situação. caem que nem uns perdidos no abismo profundo que não é abismo e a queda nunca acaba. no fundo ficaria meio mundo preso na angústia do poço gigante, em que a partir de certa fase é provavelmente mais angustiante achar que não há um fim para queda do que perspectivar a dor da queda. tropeça nas raízes das folhas, e poupa o tronco. sabes tão bem como eu que dar cabeçadas em postes de electricidade é uma actividade tão digna como apanhar folhas no outono. a menos que uses aquelas pegas extensíveis, sua calona. isso não é objecto de gente. a usar isso que seja

so, take the red pill or the blue pill, your choice

no outro dia parei. para pensar uma vez mais sobre o valor da decisão. curioso como há quem seja criticado por decidir de modo demasiado racional, outros por decidirem logo com o que lhes vai na alma, e outros ainda por não se assumirem nem como carne nem como peixe. a decisão é um ponto importante da vida. diria mesmo que é decisivo. provavelmente é o acto humano mais importante, e a história está cheia de momentos que o comprovam. se não é fácil decidir entre o bitoque e o bacalhau espiritual, imagino para o alexandre, mesmo sendo grande, qual a angústia e o conflito interno quando tinha de decidir se continuava a sua marcha vitoriosa, se parava ou até se voltava para trás. parece mais importante quando falamos de generais. ler na military history sobre termophilas, gettysburg, waterloo ou outras, é igual a ler uma espécie de hino à decisão. mas nas guerras do dia-a-dia, somos nós própios generais das nossas próprias decisões. quando oiço que alguém se suicidou, confesso qu

um jantar como outro qualquer

sentei-me com eles antes que tivéssemos sequer tempo de olhar bem à volta. perde-se muito quando não se conhece o terreno. eu gosto de olhar bem, como quem vê, antes de me sentar onde quer que seja. as paredes falam, a decoração susurra dicas e a disposição das pessoas explica a disposição da noite. um jarro com flores pendurado daquela parede explica mais sobre esta sala que mil comentários de críticos no jornal. o encontro estava marcado há um tempo, mas andámos sempre os três tão ocupados que foi bem difícil arranjar uma data. enquanto o f se tentava decidir entre o robalo grelhado e o joelho de porco, o k conseguiu adormecer sobre si próprio, vítima de uma espécie de narcolepsia do génio. finalmente lá demos o murro na mesa e acordou para pedir a sua massa. integral. parece que estava de dieta. começámos com o pé esquerdo, com o k a vir com a do costume de que todo o Homem é uma seca, e quem o queira contrariar será uma seca a fazê-lo. depois lá explicou que isto era apenas u

lagos sulfurosos entre substância cinzenta e substância branca

hoje passeei por um cérebro. não me consigo lembrar se estava acordado ou se estava a sonhar. essa informação ficou perdida enquanto me maravilhava com os ramos cuidadosamente podados das árvores que enchiam a terra da substância cinzenta. velhos guardiões trabalhavam os troncos e os caules como quem poda bonsais e as folhas brilhavam como uma espécie de estrela a nascer. daquelas a sério, não das cadentes, que as cadentes duram o mesmo tempo que dura o encanto humano pelas coisas pouco perenes, delirantemente passageiras. o susto, ao ver largas bolhas explosivas nos lagos sulfurosos entre a substância cinzenta e a substância branca, deu lugar à paixão por mergulhar nesses lagos, e senti-me como um molde quando é banhado num ouro de muitos quilates, talvez demasiados quilates. o dia dentro de um cérebro nunca termina. é uma espécie de simulação dos seis meses de verão no árctico. quando acabam as actuações do dia, começam as actuações da noite. os malabaristas do dia dão rapidamente

o mundo como ele é

no dia 10 de setembro de 2001 lembro-me de um momento preciso em que pensei como o mundo era quase perfeito. tinha acabado de sair da água magicamente aquecida do oceano pacífico e estava então sentado entre duas palmeiras, a olhar o horizonte, onde peixes saltavam na água, e a constatar a felicidade que a própria pele sente nestas situações, em que as pedras de sal desenham novos mapas pelo corpo e dão outro sabor ao dia. poucas horas depois fui visceralmente lembrado de que esse planeta quase perfeito existe, mas existia sobretudo antes da evolução humana. se, por um lado, sem evolução humana, eu não existiria e não teria os meios para chegar ao outro lado do mundo, por outro lado, os milhares e milhares de anos de acumulação de ambição desmedida, egoísmo, fanatismo e todos os ismos que vos possam ocorrer, levam o homem (devia vir com h grande, mas há dias em que não o merece) a cometer os actos diários de terrorismo que comete. o de 11 de setembro de 2001 tocou-me particularmente.

um jantar como outro qualquer

sentei-me com eles antes que tivéssemos sequer tempo de olhar bem à volta. perde-se muito quando não se conhece o terreno. eu gosto de olhar bem, como quem vê, antes de me sentar onde quer que seja. as paredes falam, a decoração susurra dicas e a disposição das pessoas explica a disposição da noite. um jarro com flores pendurado daquela parede explica mais sobre esta sala que mil comentários de críticos no jornal. o encontro estava marcado há um tempo, mas andámos sempre os três tão ocupados que foi bem difícil arranjar uma data. enquanto o f se tentava decidir entre o robalo grelhado e o joelho de porco, o k conseguiu adormecer sobre si próprio, vítima de uma espécie de narcolepsia do génio. finalmente lá demos o murro na mesa e acordou para pedir a sua massa. integral. parece que estava de dieta. começámos com o pé esquerdo, com o k a vir com a do costume de que todo o Homem é uma seca, e quem o queira contrariar será uma seca a fazê-lo. depois lá explicou que isto er

sei que o tempo pára exactamente naquele momento em que a pestana se imobiliza

há um momento em que tenho a certeza que o tempo pára. são micro-segundos. o tempo em que olho fixamente para dentro dos teus olhos. seria mais fácil achar que o olhar ficava preso na cor, nos milhões de cristais roubados ao arco-íris, que escondem habilmente os segredos guardados lá dentro na alma. mas não, fica preso no instante em que a pestana superior pára de subir e se imobiliza, antes de descer novamente. é o momento em que tudo cede. quando a pestana resolve mudar de direcção, todo o mundo se suspende num maravilhoso golpe de rins. o rímel sente a vertigem de quem anda numa montanha-russa e deixa-se ir no doce contorno da descida que vai levar a uns olhos fechados. o perfume intenso das emoções espalha-se em pequenas borrifadelas. são puffs de paixão, disfarçados com cosméticos ou artifícios, mas que denunciam o criminoso em flagrante delírio. são borboletas-no-estômago-like. são dragões chineses, daqueles a brincar, a encher as ruas de uma cidade diferent

a cor da caixa negra

já pensaste que este mundo pode não ser nada do que nos parece que é? e se tudo isto for uma fachada para algo maior ou menor, diferente, com mais cores do que as que temos agora, com mais sons do que aqueles que permitimos que nos encantem e nos levem na melodia da noite? os precipícios podem ser excelentes locais para pensar desta forma. não te atiras de um precipício porque aprendeste que se te atirares te vais magoar. provavelmente até de uma forma séria. envolvendo morte e coisas dessas, que são uma maçada a certas horas do dia. eu por exemplo não gosto nada de morrer a seguir ao almoço, fico indisposto. mas como podes tu saber? nunca te atiraste de um precipício. quem te diz a ti que o impacto das tuas moléculas no fundo da ravina é igual ao de outro ser qualquer? até te digo que igual não será de certeza, porque as tuas moléculas não são as de outro ser qualquer. porque algum outro morreu com o impacto, porque haverias de ter que morrer tu? tudo é extrapolável sem limite? e

percursos

todos passam por ti como quem te despreza. vêem o teu aspecto pobre e envelhecido, essa camisa gasta e as botas de quem já teve melhores dias na vida. olham de esguelha para o teu caminhar trôpego sobre a neve. as marcas que deixas na neve, parecem de quem claudica, mas só tu sabes que são marcas de guerra. de guerras, aliás. daquelas a sério, como aparecem nos filmes, e das outras, que se seguem a essas e são ainda piores. para as primeiras ainda fizeram de conta que te preparavam. para as segundas ninguém te deu qualquer conselho, ninguém te leu os planos, não te puseram uma metralhadora às costas, muito menos te mandaram seguir pelo pântano fora. mas tu seguiste, como é óbvio. tinhas um daqueles caminhos curiosos, que não têm trás. no fundo, os caminhos nunca têm trás, só têm frente, mas as pessoas também teimam em achar que há frente, trás e lados em tudo. quando eu paro e olho para ti, sentado nesse limbo onde o passeio finge que se torna estrada, pergunto-me se olhas os carro

o paradoxo é uma espécie de combustão da vida

quando quero começar a escrever sobre nova iorque fico sempre com uma dificuldade imensa, porque as palavras misturam-se com os pensamentos, e os dedos comportam-se no teclado como um míudo trapalhão que tenta em vão fazer uma roda de jeito no ginásio. se calhar é mesmo esse o motivo. o débito de pensamento pode impossibilitar a escrita e o meu turbilhão neste lugar é sempre tão grande, que aponto nessa solução para o problema. deve começar por ser a cidade que não dorme que me identifico tão bem com ela. mas é de certeza muito mais do que isso. basta pôr um pé no aeroporto para me sentir de consciência em casa. basta ver ao longe a shiny pointy thing do chrysler para o meu coração ficar quente. basta aproximar-me da esquina do balthazar para a minha memória se sobressaltar em noites e noites de comunhão com esta cidade. depois vou andando pelas ruas. falo com as pedras. falo com as pessoas. falo com as galerias, com as lojas e com os bares. falo sobretudo com carros amarelos que tr

o mapa das sensações

às vezes acho que os sentimentos deviam ser como países. abríamos à nossa frente o planisfério dos sentimentos e em cima da mesa estaria também a enciclopédia geográfica, pronta a ser consultada. em segundos conseguiríamos descobrir a capital do amor, os montes e vales da saudade, quantos rios correm na melancolia ou qual a história da ansiedade. tenho interesse sobretudo em descobrir quem faz fronteira com quem. há dias em que tenho quase a certeza de que há conflitos à escala planetária entre alguns deles. lembro-me de um ataque feroz da ansiedade à razão algures no tempo. de um breve momento em que a paixão se armou em alemanha e trucidou a liberdade, como se esta fosse uma espécie de polónia. e ouvia-se wagner em pano de fundo. se alguém descobrir este mapa, que me dê um toque. é que o 'jogo do risco' jogado constantemente entre os quatro lados do meu mapa era bem mais controlado se eu soubesse por onde ando a movimentar as tropas.

a prova de que uma entrevista pode ser poesia...

Se fosse a vocês tirava vinte minutos dessas vossas vidas TÃO ocupadas, porque isto é uma lição de vida como se escrevem poucas. Amen. "Manuel Hermínio Monteiro: a entrevista ao DNA em 2001 O DNA (suplemento do Diário de Notícias) de 12-05-2001 publicou aquela que penso ter sido a última entrevista dada por Manuel Hermínio Monteiro, o editor da Assírio & Alvim, que viria a morrer em Junho desse ano. Foi uma longa entrevista, conduzida por Anabela Mota Ribeiro. Deixo-a aqui: . MANUEL HERMÍNIO MONTEIRO . A conversa seguinte aconteceu numa destas tardes de sol. Do sol radioso que encharca de esperança os primeiros dias da Primavera. Manuel Hermínio Monteiro, o mítico editor da Assírio & Alvim, refastelou-se no sofá para desfiar o novelo da sua vida cheia. Como ele diz, logo no começo, a ponta pode ser a que nos aprouver que há-de sempre dar no mesmo. Decidi começar por um lugar que cruzava as palavras e as memórias, umas e outras em catadupa. Um lugar que é talvez o mais belo