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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2013

era uma vez

(homenagem ao la fontaine, adoro histórias com animais) era uma vez, num reino muito muito distante, longe de todos os outros (pelo menos na maioria dos indíces económicos), um sistema em que meia dúzia de gordos mandavam sobre milhares de magros. os gordos tiveram mais do que tempo para fazer dietas, mas nunca o fizeram. a vontade de comer gerava ainda mais vontade de comer e uma bola de neve fazia-os canibalizar mais magros, um a seguir ao outro. os magros, claro, passavam o dia a trabalhar para alimentar os gordos. por todo o reino gretavam as mãos na terra, suavam o sol na pele, trabalhavam, mais que de sol a sol, de lua a lua, e ainda assim tentavam manter o sorriso de quem está feliz. caíam no erro de acreditar nos gordos, que lhes prometiam mundos e fundos, quando, na verdade, para além de comer os magros, só se sabiam ajudar entre si. como se isto não fosse suficiente os gordos ainda viviam sob o signo da conspiração. na plena noção do mal que faziam aos magros, no medo c

sobre as várias paixões da vida

as primeiras imagens que escorrem nas paredes mais longínquas da minha memória são de fumo de bifanas, cheiro a cerveja entornada pelo chão, mão dada ao meu pai e olhos sempre para cima, curiosos como os meus não sabem deixar de ser, na busca de entender o porquê de tantos homens grandes vestidos de encarnado se dirigirem ao mesmo sítio da cidade ao domingo à tarde. depois, lembro-me de atravessar a ponte de pedra, de aguardar com paciência na fila para ser revistado, de atravessar as portas de ferro e de me avisarem para ter cuidado com o degrau. de subir intermináveis escadas até finalmente chegar ao cimo daquele amontoado de betão, cimento e ferro. trepar os últimos quatro/cinco degraus e sentir o meu pequeno coração a bater mais forte por saber que se estava a aproximar aquela visão magnífica de todo o estádio que só o terceiro anel permitia. o contraste de um relvado verde com bancadas impregnadas de vermelho. as torres de iluminação imponentes, a toda a volta. os bancos de pe

born slippy

mergulhou em direcção ao desconhecido como quem prefere conhecer a temer o desconhecido. sentiu o corpo tremer por todos os lados, uma espécie de vibração ainda maior do que a que o corpo sente durante um sismo de grau 'muitos' na escala de 'bem pior que richter e mercalli' juntos. lembrou-se que richter lhe fazia lembrar ritter, nomeadamente ritter sport, o de maçapão, ou outro semelhante, do melhor que pode aparecer sob a forma de chocolate servido ao quadrado. quando a vibração ganhou contornos de normalidade deixou-se finalmente levar pelas cores. só enquanto se mergulha no desconhecido se tem por instantes a percepção de que há mais cores do que oitenta e três arco-íris juntos e de que a vida é pintada como se de um caos de guaches se tratasse. conseguiu distinguir as cores pintadas a lápis, a tinta permanente, a tinta temporária e de todos os outros temperos. sentiu-se a ver estrelas e teve a certeza de que falavam com ele. que lhe contavam tudo o que havia pa

o anti-nihilismo do nihilismo

por muito que haja quem não o entenda é grande a ansiedade de quem renuncia a certas correntes de pensamento e se digna a concordar com outras, naturalmente com as que acreditam mais em não acreditar. o sofrimento do nihilismo, do ponto de vista do equilíbrio moral, é mais intenso do que a raiva de um diabo da tasmânia fechado num quarto sem carne para comer. as voltas na cama não são combatidas com conversas feitas de mãos unidas. os sofrimentos pelos que se ama não são combatidos com mais um furo de aperto no cilício. a expiação dos males não é feita sacrificando um aleatório indivíduo para dentro de um vulcão. nos momentos em que é suposto fazer força por algo ou alguém, o nihilista vive o drama do astronauta em gravidade zero. tem a liberdade de escolher o que fazer da ausência mas a sensação de que pouco importa o que pode ou quer fazer do vazio. não regride e não desiste, mas não avança e não conclui. resta a crença no ponto zero. ou a não crença. a lembrança do trivial, do

meio limão meio homem

estive no outro dia à conversa com uma metade de limão e aprendi imenso sobre a vida. estava sentado muito bem no jardim, perdido nas intermináveis cores do pôr-do-sol, quando vejo que, como quem não quer a coisa, meio limão se senta a dois metros de mim. estranho, o jardim estava vazio. percebi logo que queria meter conversa. tinha aquele nervosismo típico de quem vira o olhar de repente para outro lado quando vocês olham naquela direcção, denotando a ausência de um plano de disfarce. sorri e acenei e vi logo que o meio limão interpretou o gesto como se eu fosse porteiro de discoteca e tivesse acabado de abençoar a sua ultrapassagem à longa fila de desesperados clientes. titubeou na minha direcção, como se fosse meio ananás e não meio limão, que os limões rebolam, não têm dessas dificuldades técnicas. "veja lá se não tenho aqui um caroço". fiquei estupefacto com o atrevimento do citrino mas lá abri uma excepção e fiz um biscate fora de horas. expliquei a naturalidade