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a paixão por futebol vai para lá de penteados e lamborghinis

quem nasça num país como portugal sabe bem que a paixão pelo futebol é algo que vem inscrito nos genes quase com um carimbo tão forte como o padrão de cabelo, a cor dos olhos ou o número de anos que em princípio vamos viver.

num rapaz os primeiros passos são quase invariavelmente acompanhados dos primeiros chutos na bola. os primeiros beijos andam de mão dada com as primeiras fintas. as etapas da vida vão sendo acompanhadas por aquele golo de um ângulo impossível, pelo outro frango que não deu nem para acreditar ou pela finta que é feita mais para impressionar as miúdas que olham da linha lateral do que propriamente para dar eficácia ao lance.

lembro-me como se fosse hoje do ritual que me perseguiu escola fora. no momento em que os cinquenta minutos de aula terminavam (já cinquenta pareciam tão complicados em termos de concentração, não sei mesmo como aguentam noventa, ó gaiatos de hoje!) corríamos que nem loucos para o recreio para começar uma partida de futebol com muita intensidade e uma duração de dez minutos. o intervalo grande do meio da manhã e do meio da tarde tinham um carácter sagrado porque permitiam jogos com bónus de 50% de tempo, nuns "longos" quinze minutos. a hora de almoço raramente era usada para esse efeito, deglutindo-se um qualquer alimento apressadamente para aproveitar todo e qualquer minuto entre aulas. quando havia um furo o nível de alegria roçava o épico e nós, crianças, ficávamos mais contentes do que se a selecção ganhasse um campeonato do mundo, com esse prémio de sessenta minutos de bola.

andei numa escola bastante conservadora, com tiques de não-democracia, em que os contínuos achavam que jogar à bola era um acto rebelde e violento, tendo por isso o agradável hábito de apanhar a bola e a confiscar. imagino que se ainda lá trabalharem hoje em dia chorem de saudades do tempo em que o acto mais rebelde das crianças era dar pontapés em objectos esféricos, mas isso seria temática para outra conversa.

dotados daquela criatividade tão própria que aguça o engenho nem isso nos impedia a prática da actividade. qualquer objecto servia para simular a bola. aqui se vê a paixão pelo futebol. nos esquemas que inventávamos para que o jogo continuasse. desde folhas de papel enroladas em forma de bola e completadas com quilómetros de fita-cola para o tornar um objecto "chutável" até latas que eram pisadas e tornadas planas, tornando-se automaticamente para nós numa bola de um nível quase oficial.

a paixão pelo futebol é isso. tal como é a paixão que temos pelo nosso clube, que nos faz adaptar a vida para ver um jogo. ou achar especial levar o nosso filho pela primeira vez a um estádio. vibrar com os golos. chorar com as derrotas. discutir de modo aceso as substituições, as escolhas do treinador, as mais recentes contratações. tudo isso envolve paixão, que é pura, que é visceral, que vem de dentro e que traz tradição e crescimento.

depois o futebol mudou. tornou-se noutra coisa completamente diferente. sim, claro que quero que a selecção ganhe logo. força nisso. usam o escudo da nossa bandeira na vossa camisola. quero o melhor para vocês, e vou ver o jogo vibrando com as jogadas, porque eu tenho paixão pelo futebol. mas hoje em dia desiludi-me. não confundo paixão com negócio. nunca dá bom resultado misturar os dois.

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