Avançar para o conteúdo principal

os tempos em que o efémero nasceu

eram os verões do início dos anos noventa. alguns de vocês que estão a ler ainda nem nascidos eram, não passavam de projectos de cruzamento de material genético nas cabeças e gónadas dos vossos pais. sesimbra era uma terra com menos casas, com menos gente, com mais barcos, com água mais limpa. os meus dias eram passados a descer e subir a colina. para a praça, para a praia, para o almoço, para a praia da tarde (ó se a água tinha sempre carneirinhos que se adivinhavam cá de cima), para o jantar, para o passeio da noite. entre postas de cherne grelhado no carvão, brisas do mar e barcos de doce de amêndoa, a vida era ela própria doce como as sobremesas e o grande objectivo de vida era um dia conseguir nadar até aos barcos.

pelo meio de tudo isto uma certeza. o walkman da sony, recebido como presente no fim da quarta classe, era um dos meus melhores amigos. nele cabiam as várias colecções de música gravadas em cassete no espólio lá de casa. uma delas tinha como destino acabar de exaustão. nunca nenhuma cassete deve ter sido ouvida tantas vezes como o terceiro greatest hits dos queen no meu walkman. era um contínuo de mudar lado a, lado b, lado a e siga. o bohemian rhapsody do início já patinava de tanto uso. o prazer de sentir o stereo dos enormes phones a meio do another one bites the dust, quando um som espacial e especial navegava da direita para a esquerda e me enchia de tridimensionalidade. a praia e o verão sabe-me a isso. o cheiro do mar na pele e a imagem das minhas enormes pestanas cheias de sal caminham ao lado dos acordes dos queen e da voz inigualável do freddie. essa era a altura da música que não morre. os queen, os the smiths ou os beatles, por mais voltas que o mundo dê, serão intemporais.

não sou saudosista ao ponto de achar que não se faz boa música hoje em dia. apesar de as notas serem apenas sete (sem contar com bemóis, sustenidos e escalas) é claro que se continua a fazer muito boa música. mas hoje os tempos são diferentes. as bandas dependem de hits no youtube, de presenças em festivais, de cinquenta minutos para dar tudo e de um fim de fama que é quase tão rápido como a subida para esse pedestal. dependem do momento, dependem do fenómeno, deixaram de estar assentes na terra com pilares fortes, próprios de quem sabe muito de música e cria legiões de fãs dessa maneira. posso ser só eu, mas duvido que daqui a vinte anos alguém esteja a escrever um texto a dizer que se lembra de uma música qualquer da rihanna enquanto descreve o sal nas pestanas. esperemos para ver...

Comentários

Mensagens populares deste blogue

À terceira é de vez!!!

Como tenho muita lata... este post é na linha de dois recentes... (um deles mesmo recentíssimo, o meu último) e trata da adaptação, não de séries (porque somos muito oranginais por estas bandas e isso depois na verdade tornar-se-ia repetitivo... quer dizer... até parece que assim não...), mas sim de filmes estrangeiros, para português. São novidades muito secretas e portanto só espero que tenham bastante cuidado na divulgação das mesmas (ao dizer isto espero que as publicitem, bem como a vinda aqui ao meu "little corner", numa jogada minha à laia d'"o fruto proibido é o mais desejado"). - Tó Pegane : história de um filho de uma ex-emigrante "na França" (daí a sempre típica mescla do nome António com o Pegane do francês com quem a senhora se casou). O rapaz entra para a Força Aérea, e depois há para lá umas intrigas. Ah! Na cena mais espectacular do filme, Tó Pegan faz um cozido à portuguesa, utilizando para aquecimento dos ingredientes a barriga...

pedras

acho muito simpático da parte do fernando guardar todas as pedras do caminho para um dia construir um castelo, mas aqueles de nós que as têm nos rins apreciavam outro tipo de eficácia diferente de apenas contemplá-las durante o passeio diário para abater barriga. com tanto heterónimo ao barulho, pasmo-me que o fernando, pessoa de bem, não tenha dado vida a um ente que se tornasse urologista e arranjasse maneira de ajudar a prevenir várias noites em posição fetal a namorar com o chão frio da casa de banho. diz o povo que as cólicas renais são piores que as dores de parto, mas o povo não pensa no facto de quase metade da população não poder atestar essa comparação. é provável que seja o povo feminino, e esse sim pode saber das duas, como sabe de tudo o resto, sempre em demasia, que o conhecimento verteu todo para o segundo cromossoma x. enquanto um brufen beija um ben-u-ron e abraça outro, vou continuar aqui no meu canto, meio revoltado com o fernando, enquanto pesquiso qual o valor da p...

na moda

Está na moda escrever sobre o amor. O truque é pintar o dito de lugares comuns e adornar o produto final com duas ou três asneiras das pesadas para emanar pseudo-rebeldia. O conjunto de palavras é tão bonito e tem uma força tão positiva que o que está mesmo a pedir é para ser posto num rectângulo, acompanhado de uma imagem do pôr-do-sol/paisagem verdejante/gatinhos/silhueta de um ou dois corpos (riscar o que não interessa) e feito, está pronto a sair do forno para esse sufrágio universal que são as redes sociais. Está na moda gostar dessa visão do amor. Que tenta copiar alguns traços dos mestres mas que os copia mal e porcamente, borra a tinta toda, mas encontra destinatários com a visão tão baça que nem dão por isso. Dantes havia o condão de ficar preso às letras do Shakespeare, do James, do Cummings e de tantos outros. Todos eles vieram por aí fora, ainda há bem pouco tempo dava para jogar à macaca com o Cortázar, mas está tudo a trocar a macaca por meia dúzia de macacos, que ap...