o sobressalto, o amontoado de membros da imprensa à porta de unidades hospitalares, os artigos dos especialistas, os alarmes da população, as lágrimas prematuras, as insónias precipitadas. todos temem um vírus de que ouviram falar, todos se debruçam sobre os relatos míticos daquilo que o vírus faz a um corpo, de como o destrói de dentro para fora, de como é incurável, de como não há nada a fazer.
no meio disto tudo, o sítio de onde o vírus veio tem vários problemas bem mais graves de que ninguém fala.
os que estão do lado do medo de que ele chegue consomem os seus dias com a preocupação. esquecem-se de que vivem no meio de vírus bem piores, que consomem corações que nem canibais esfomeados, mais tóxicos do que material radioactivo e mais instáveis do que uma falha sísmica. esses comportam-se como areias movediças da alma, como cavalos de tróia da paixão, dão conta do visível e do invisível e ainda se vangloriam no final, como se a auto-proclamada vitória não fosse inerente à sua génese, da qual não podem jamais fugir.
mas os vírus não vivem por si. os vírus precisam de células onde viver. ainda que no fim, quase sempre, acabem por induzir imunidade. o corpo onde vivem despega-se deles e obedece à máxima do nietzsche de que 'o que não nos mata torna-nos mais fortes'.
abusando das citações (uma vez que a multa de hipercitações está paga), já dizia, e bem, o wilde, que 'experiência é simplesmente o nome que damos aos nossos erros'.
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