Avançar para o conteúdo principal

A família da Segunda



Todas as manhãs milhares de lisboetas cumprem o ritual do trânsito. Muitos são obrigados a fazê-lo devido aos incapazes transportes públicos, que apesar de reconhecidas melhorias nos últimos anos, continuam a não ser capazes de suportar todo o tráfego de pessoas em torno da capital em hora de ponta.

Pelo meio do ritual quase se criam famílias, portugueses típicos para todos os feitios, com carros para todos os tamanhos, desde os camiões que andam de obra para obra ou a distribuir vegetais, à moçoila que acaba de ajeitar o baton em frente ao espelho (quase batendo no da frente), ao pintas que tem de usar o seu "tuningzado" carro para ir para o trabalho que paga os cromados e ailerons, ao velhote que se encaminha para mais uma consulta tentando lembrar-se das queixas que tem e dos medicamentos que toma (numa clara prova de que se anda a esquecer de tomar os da memória), até a mim que tenho de desesperadamente chegar a horas ao Pulido Valente, para mais um dia de enfermidades e, espera-se, subsequentes curas.

No meio deste bulício todos andam a passo, todos têm tempo para se observar entre si, para barafustar para com o chico-esperto que finge que vai sair para a Repsol e afinal só estava a passar meia dúzia de carros pela direita, para tremer com a vibração dos aviões que nos passam por cima alheios ao nosso trânsito. Dá tempo para tudo, até para ler as gordas do jornal, acabar aquele relatório importante ou tomar o pequeno-almoço.

Uns minutos à frente, e tão à portuguesa, descobre-se o motivo do pára-arranca... não há nada do nosso lado, mas no sentido contrário houve um acidente e há que gentilmente lentificar a nossa marcha e meter o bedelho na situação em causa. Afinal... quem está do lado de lá do separador faz parte desta nossa família...

Comentários

Mensagens populares deste blogue

À terceira é de vez!!!

Como tenho muita lata... este post é na linha de dois recentes... (um deles mesmo recentíssimo, o meu último) e trata da adaptação, não de séries (porque somos muito oranginais por estas bandas e isso depois na verdade tornar-se-ia repetitivo... quer dizer... até parece que assim não...), mas sim de filmes estrangeiros, para português. São novidades muito secretas e portanto só espero que tenham bastante cuidado na divulgação das mesmas (ao dizer isto espero que as publicitem, bem como a vinda aqui ao meu "little corner", numa jogada minha à laia d'"o fruto proibido é o mais desejado"). - Tó Pegane : história de um filho de uma ex-emigrante "na França" (daí a sempre típica mescla do nome António com o Pegane do francês com quem a senhora se casou). O rapaz entra para a Força Aérea, e depois há para lá umas intrigas. Ah! Na cena mais espectacular do filme, Tó Pegan faz um cozido à portuguesa, utilizando para aquecimento dos ingredientes a barriga

na moda

Está na moda escrever sobre o amor. O truque é pintar o dito de lugares comuns e adornar o produto final com duas ou três asneiras das pesadas para emanar pseudo-rebeldia. O conjunto de palavras é tão bonito e tem uma força tão positiva que o que está mesmo a pedir é para ser posto num rectângulo, acompanhado de uma imagem do pôr-do-sol/paisagem verdejante/gatinhos/silhueta de um ou dois corpos (riscar o que não interessa) e feito, está pronto a sair do forno para esse sufrágio universal que são as redes sociais. Está na moda gostar dessa visão do amor. Que tenta copiar alguns traços dos mestres mas que os copia mal e porcamente, borra a tinta toda, mas encontra destinatários com a visão tão baça que nem dão por isso. Dantes havia o condão de ficar preso às letras do Shakespeare, do James, do Cummings e de tantos outros. Todos eles vieram por aí fora, ainda há bem pouco tempo dava para jogar à macaca com o Cortázar, mas está tudo a trocar a macaca por meia dúzia de macacos, que ap

Reset

00:00 Os números piscavam a vermelho no fundo escuro. O escuro era da noite por fora, por dentro a culpa não era da noite. Ou então era de noite também por dentro. Dentro da cabeça uma pulsação contínua, um incessante martelar, uma inequívoca prova de vida e um considerável incentivo à morte. O dia rodava dentro da caixa craniana a uma velocidade superior àquela com que camisolas, calças e roupa interior dançam dentro da máquina de lavar roupa. As ideias misturavam-se de tal modo que apenas se conseguia lembrar da receita de um bolo. As preocupações de ontem a fazer de farinha, o que de novo aconteceu nesse dia mascarado de fermento, todos os planos para amanhã e depois com cara de ovos acabados de deslizar casca fora. E a vida, essa batedeira eléctrica de último modelo, a tratar de misturar tudo com a pressa de quem tem fome e gulodice. Sorriu no escuro e sentiu felicidade por sentir os músculos da face a relaxar. Uma das melhores coisas que o sorriso tem é a capacidade de pôr as