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contrariedades

aprendi, entre outros, com o cesário verde a ter um gosto especial por olhar pela janela nas horas mais tardias da noite, perdendo-me em pensamentos que se misturam com luzes de um ou outro quadrado isolados na escuridão.

são dezenas de janelas. são dezenas de vidas. são cortinas diferentes. são espaços abertos. vejo televisões que expulsam um arco-íris cá para fora. vejo silhuetas humanas. umas paradas, outras em leve e discreto movimento, dando fracas dicas sobre a pulsatilidade do coração que as abriga. não há fumo, neste sítio não há fumos nas janelas. e ácidos quando muito os da chuva, pelo menos na maior parte dos prédios, na maior parte dos dias.

há luzes que se apagam. pergunto-me quem está lá por trás. se é o fim do dia. se é a desistência da noite. se quem carregou o peso de pressionar o interruptor vai agora passar horas e horas a fio em sofrimento insoníaco. mudam as janelas que têm luz. mudam as janelas que estão apagadas.

não há simetria. nunca há simetria. não há engomadeiras tuberculosas. há mais pulmões. mas não há menos decadência. há mais tempo desde a revolução industrial. há menos tempo desde a ausência de revolução das mentalidades.

não fumei três maços. não vejo a vizinha ainda a trabalhar. agora tem mais vacinas, tem mais informação, tem roupas de mais cores. mas isso não resolve tudo. as ansiedades do mundo continuam a escorrer, da mesma forma, pelas paredes do quotidiano, hoje, como há duzentos anos.

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