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Mensagens

Já dizia Max Ehrmann "listen to the others, even the dull and the ignorant. they too have their story". A azáfama da consulta permite pouco tempo para fugir ao acelerar da burocracia e da conversa puramente médica, deixando pouco espaço no tempo para conversas paralelas. A entrada em conversas paralelas cria-nos injustamente um nervoso miudinho por atrasar toda uma lista de doentes, que se vão revoltar. Entre muitas outras coisas, tira-nos tempo para aproveitar o facto de falar com centenas de pessoas diferentes, o que permitiria aprender coisas novas a toda a hora. Exemplo de histórias de vida que mereciam mais dar um filme do que muitas que são forçadas como argumentos de Hollywood. (bolas, esta senhora não se cala... e tudo são problemas, dói-lhe tudo, queixa-se de tudo, podia ser uma daquelas 'velhinhas' do sketch do gato fedorento, eheheh) - E agora ando muito mais em baixo, Dr. - Então porquê dona L? - Porque morreu o meu cachorro, que era a minha companhia. - E...

Noite

Suaves ruídos. Um choque de roda com milhões de partículas de água numa poça que teima em não desaparecer da estrada. O motor afastado e esquecido de um avião que já leva na cabeça o destino final. Passos apressados de quem sabe para onde vai e o pouco tempo que tem. A noite traz o silêncio. Com o silêncio da noite vem todo um novo mundo de sensações. Não há ruídos. Não há distracções. A adoração da noite tem a ver com isto. Com o contraste. Há uma espécie de paragem durante a noite. Pequenos oásis de som, espalhados aqui e ali, perpetuam o som num volume bem alto, para compensar pelo resto da noite. Nesses oásis juntam-se adoradores do som. Fazem hoje com o som o que no passado já alguns fizeram com o sol. Cá fora o som do silêncio permanece. Consigo ouvir o camião do lixo, que se aproxima. Vem sempre. Não falha. Se um dia não vier a esta hora sei que algo se passou. Problema na central. Fim de todo o lixo no mundo. Algo se terá passado. O dia tem a verve da loucura, partilha e alegri...

Diário de Bordo

Excerto do meu moleskine, 11 de Setembro de 2009, Deserto de Gobi, Mongólia, escrito exactamente no momento captado na foto: "Estranho. O destino faz este dia chegar nalguns dos mais belos locais do mundo. Há 8 anos (dilacerante o modo como o tempo passa por nós...) estava sentado num banco junto ao fabuloso mar de Oahu, e agora estou sentado num banco com gigantescas dunas de areia do deserto mongol aqui mesmo à minha frente. O que mudou em 8 anos? Eu mudei muito, o mundo infelizmente mudou pouco. Parto à descoberta das dunas próximo do pôr-do-sol. 15 minutos depois depara-se um primeiro obstáculo, um pequeno rio, de pouco caudal, mas pouco apetecível de atravessar, por ser lamacento. Eis que do nada aparece um jipe com um casal mongol, aos quais berrámos para parar e conseguimos boleia para atravessar o rio e ir até à orla das dunas. Claro que fomos no meio das couves e peças de automóvel, mas ficou registada a habitual boa vontade mongol. Trepei pela areia pura, lisa, sem marca...

Uma questão de nível

Longe vão os tempos em que a expressão "comida de hospital" era associada a algo de insonso, com sabor a nada e textura de papas de aveia (embora nas cantinas hospitalares pareça que é isso que continuam a servir). Através do recrutamento de uma equipa de nutricionistas qualificados, hoje os doentes têm à sua disposição pratos equilibrados do ponto de vista nutricional, adequados à sua doença, mas ao mesmo tempo com características que tornem a refeição agradável (e não apenas tolerável). Onde surge o problema é quando lhes é dada escolha sobre o que querem para o dia seguinte. Certamente plenos da melhor boa vontade, os responsáveis das empresas de alimentação dão os nomes mais pomposos aos pratos que servem e é frequente ver os nossos idosos terem um pré-colapso a tentar perceber o que é que os nomes significam. Exemplo: "Senhor Manel, para o jantar, de sobremesa, vai querer melão ou bavaroise de morango?" "O que é que disse a seguir ao melão?" "Bav...

Serão artroses?

Outra vez seis meses sem escrever? Acabou-se o combustível? Falta de criatividade? Dispersão? Falta de tempo? Ou serão artroses? Não tenho idade para artroses. Há quem as tenha com esta idade, mas eu não tenho idade para as ter e não tenho. Ponto final. Parágrafo. Ando embrenhado. Por caminhos intensivos. Por medicinas públicas e menos públicas. Cuidadas e menos cuidadas. O tempo é pouco. A bem ver são as mesmas vinte e quatro horas. Os mesmos mil quatrocentos e quarenta minutos. Aproxima-se o novo ano, altura de resoluções. Quebra. Não gosto de paradigmas. Faço já uma das minhas: vou voltar a tentar e escrever mais. Não se perde nada. Ganha-se em desabafo. Ganha-se em desafio. Escrever faz-me bem. Até já.

Som

A minha relação com o som? Quem me conhece sabe que gosto de falar. Muito. Gosto de ouvir. Muito. Sou capaz de estar 20 horas a falar. Seria um óptimo amigo para o Fidel Castro (até pelo estado de saúde dele...) ou para o Boutros-Ghali, especialistas de discursos de 20 e tal horas nas suas funções políticas. O som tem um papel fundamental. Tem restrições. Tem controlo. Usá-lo ou não usá-lo define a nossa vida. O que se disse. O que não se disse. O que se disse e não se devia ter dito. O que não se disse e se devia ter dito. Gosto do som. Uma destas noites dei por mim, na enfermaria, a reparar num silêncio absoluto. Apeteceu-me de repente quebrar com a regra. Ter à mão uma buzina de camião e dispará-la loucamente durante 30 segundos. Acordar tudo e todos em sobressalto, mostrar-lhes que precisam do som. Que têm de respeitar o som. Que o som é bom. No dia seguinte... Gui Boratto no Lux. Até que enfim alguém me percebe e trata o som como ele deve realmente ser tratado! Brilhante!

Lisboa menina e moça, festeira!

Já dizia a letra da música: "Cansados vão os corpos para casa Dos ritmos imitados de outra dança A noite finge ser... ainda uma criança De olhos na lua Com a sua Cegueira da razão e do desejo" Lisboa é isso. É isso e muito mais. A noite do dia 12 de Junho é apenas um corolário do que Lisboa pode ser. Do que Lisboa devia ser mais vezes ao ano. A sardinha assa no braseiro. Nisto a criança pede uma moedinha para o Santo António ("Não tenho moedas""Não faz mal, eu aceito notas"). O traquina que descaradamente se aproveita desta noite para ser uma espécie de "arrumador" das almas, cruza-se com o nórdico que olha espantado para todo este movimento, para toda esta côr, para este bulício e vontade de viver, que o fazem acreditar que este povo pode ser pobre, pode ser melancólico, mas que tem a capacidade de se mobilizar em massa para a rua e encher de alegria a noite de uma cidade. Pára naquela janela. Pede uma ginjinha. Quem ta serve? Um argentino? Que ...