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partir o azar dá sete mil anos de espelhos



o velho lugar-comum de que quem tem sorte ao jogo tem azar ao amor (acredito que a recíproca também se aplique) terá sido inventada quase de certeza por um campeão de poker solitário ou por um don juan que nem em dois números do euromilhões (da altura, eu sei que não havia euromilhões na idade média ou lá quando isto foi inventado) acertava.

a superstição é mais uma dessas bengalas que a humanidade tanto gosta de inventar para passar o tempo. os medos, as ansiedades, os receios e as incertezas, são todos muito mais assustadores a nu. vestidos com a farda do disfarce passam por tradições, por mensagens que passaram de boca-em-boca, por ideias comuns que foram ficando. umas mais fantasiosas que outras, as superstições estão por todo o lado. os maias não deviam encontrar sinal de fatalidade do destino num chapéu de chuva deixado em cima de uma mesa, tal como um habitante de uma cidade moderna não sua e treme ao ver a lua eclipsar-se. talvez o pobre do gato preto sempre tenha tido essa sina, mas isso é conversa que fica para outro dia.

claro que as tais bengalas são tão permanentes que essa mesma humanidade nunca tenta atirá-las para o lado e perguntar-se se consegue caminhar sem ajudas. acredito (e a minha convicção pessoal deve valer mesmo muito menos do que tanta convicção colectiva junta) que o tempo gasto a temer o destino era bem melhor utilizado a sorrir para o arco-íris, a nadar dentro de água até ao pôr-do-sol ou até a passar de boca-em-boca outras coisas que não mensagens de desgraça.

um dia, vamos todos acordar e perceber que o que aconteceu não foi obra da sorte ou do azar, mas sim da eterna desordem, que se continua a rir de quem a tenta fechar explicativamente numa redoma quando nem uma redoma de jeito sabe criar.

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