Avançar para o conteúdo principal

partir o azar dá sete mil anos de espelhos



o velho lugar-comum de que quem tem sorte ao jogo tem azar ao amor (acredito que a recíproca também se aplique) terá sido inventada quase de certeza por um campeão de poker solitário ou por um don juan que nem em dois números do euromilhões (da altura, eu sei que não havia euromilhões na idade média ou lá quando isto foi inventado) acertava.

a superstição é mais uma dessas bengalas que a humanidade tanto gosta de inventar para passar o tempo. os medos, as ansiedades, os receios e as incertezas, são todos muito mais assustadores a nu. vestidos com a farda do disfarce passam por tradições, por mensagens que passaram de boca-em-boca, por ideias comuns que foram ficando. umas mais fantasiosas que outras, as superstições estão por todo o lado. os maias não deviam encontrar sinal de fatalidade do destino num chapéu de chuva deixado em cima de uma mesa, tal como um habitante de uma cidade moderna não sua e treme ao ver a lua eclipsar-se. talvez o pobre do gato preto sempre tenha tido essa sina, mas isso é conversa que fica para outro dia.

claro que as tais bengalas são tão permanentes que essa mesma humanidade nunca tenta atirá-las para o lado e perguntar-se se consegue caminhar sem ajudas. acredito (e a minha convicção pessoal deve valer mesmo muito menos do que tanta convicção colectiva junta) que o tempo gasto a temer o destino era bem melhor utilizado a sorrir para o arco-íris, a nadar dentro de água até ao pôr-do-sol ou até a passar de boca-em-boca outras coisas que não mensagens de desgraça.

um dia, vamos todos acordar e perceber que o que aconteceu não foi obra da sorte ou do azar, mas sim da eterna desordem, que se continua a rir de quem a tenta fechar explicativamente numa redoma quando nem uma redoma de jeito sabe criar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

À terceira é de vez!!!

Como tenho muita lata... este post é na linha de dois recentes... (um deles mesmo recentíssimo, o meu último) e trata da adaptação, não de séries (porque somos muito oranginais por estas bandas e isso depois na verdade tornar-se-ia repetitivo... quer dizer... até parece que assim não...), mas sim de filmes estrangeiros, para português. São novidades muito secretas e portanto só espero que tenham bastante cuidado na divulgação das mesmas (ao dizer isto espero que as publicitem, bem como a vinda aqui ao meu "little corner", numa jogada minha à laia d'"o fruto proibido é o mais desejado"). - Tó Pegane : história de um filho de uma ex-emigrante "na França" (daí a sempre típica mescla do nome António com o Pegane do francês com quem a senhora se casou). O rapaz entra para a Força Aérea, e depois há para lá umas intrigas. Ah! Na cena mais espectacular do filme, Tó Pegan faz um cozido à portuguesa, utilizando para aquecimento dos ingredientes a barriga

na moda

Está na moda escrever sobre o amor. O truque é pintar o dito de lugares comuns e adornar o produto final com duas ou três asneiras das pesadas para emanar pseudo-rebeldia. O conjunto de palavras é tão bonito e tem uma força tão positiva que o que está mesmo a pedir é para ser posto num rectângulo, acompanhado de uma imagem do pôr-do-sol/paisagem verdejante/gatinhos/silhueta de um ou dois corpos (riscar o que não interessa) e feito, está pronto a sair do forno para esse sufrágio universal que são as redes sociais. Está na moda gostar dessa visão do amor. Que tenta copiar alguns traços dos mestres mas que os copia mal e porcamente, borra a tinta toda, mas encontra destinatários com a visão tão baça que nem dão por isso. Dantes havia o condão de ficar preso às letras do Shakespeare, do James, do Cummings e de tantos outros. Todos eles vieram por aí fora, ainda há bem pouco tempo dava para jogar à macaca com o Cortázar, mas está tudo a trocar a macaca por meia dúzia de macacos, que ap

Reset

00:00 Os números piscavam a vermelho no fundo escuro. O escuro era da noite por fora, por dentro a culpa não era da noite. Ou então era de noite também por dentro. Dentro da cabeça uma pulsação contínua, um incessante martelar, uma inequívoca prova de vida e um considerável incentivo à morte. O dia rodava dentro da caixa craniana a uma velocidade superior àquela com que camisolas, calças e roupa interior dançam dentro da máquina de lavar roupa. As ideias misturavam-se de tal modo que apenas se conseguia lembrar da receita de um bolo. As preocupações de ontem a fazer de farinha, o que de novo aconteceu nesse dia mascarado de fermento, todos os planos para amanhã e depois com cara de ovos acabados de deslizar casca fora. E a vida, essa batedeira eléctrica de último modelo, a tratar de misturar tudo com a pressa de quem tem fome e gulodice. Sorriu no escuro e sentiu felicidade por sentir os músculos da face a relaxar. Uma das melhores coisas que o sorriso tem é a capacidade de pôr as