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conversas com a lua

numa das minhas conversas com a lua perguntei-lhe como é que ela fazia para ter esse jeito tão próprio de fazer tanta gente acreditar que aquela luz é dela, quando no fundo ela é apenas um espelho da luz do sol. a lua lá me explicou vagarosamente, como é seu timbre, que foi criada mesmo para isso, para espelhar e ajudar a ser feliz. contou-me que dia a dia mete as mãos à obra, gira grandes rodas dentadas para ir gradualmente espelhando um pouco mais de luz. chega ao dia do seu máximo esplendor e gira tudo ao contrário para ir dando cada vez um pouco menos de luz. com isto, diz-me ela, ajuda a subir e descer as marés, a orientar os animais selvagens nos seus caminhos e até a influenciar quando os bebés nascem.

aplaudi o brilhantismo da lua e fiz-lhe duas ou três festas no lombo (saibam que a lua rebola de felicidade quando lhe fazem festas no lombo) mas logo me surgiu outra dúvida. então, se ela funciona como espelho da luz do sol, não poderia também funcionar como espelho da luz da terra. ficou meio baralhada, deu três piruetas no ar, espirrou (eu disse educadamente 'saúde') e atónita perguntou-me o que é isso da luz da terra. se teria algo a ver com pirilampos ou com fitoplancton fluorescente. primeiro disse-lhe que andava a ver national geographic a mais. suspirei. de seguida expliquei-lhe que não, que a luz que vem da terra vem de quem a quer emitir. que eu, por exemplo, tinha sempre raios de luz a querer sair dos meus olhos e do meu coração e que os queria enviar para outros pontos do planeta. mas os correios negam o transporte de raios de luz e fatias de amor. dizem que não passa na alfândega. se um guarda fronteiriço suspeita que há uma fatia de amor guardada dentro de um cuidadoso embrulho é logo menino para, assobiando para o lado, a guardar dentro do casaco e levar para casa, porque dá sempre jeito em qualquer ocasião.

assim, pedi à lua se me deixava usá-la como espelho e enviar os raios de luz e as fatias de amor através dela. disse-me que não via inconveniente desde que fosse só às terças, quintas e domingos, porque andava muito ocupada com outros projectos, nomeadamente ao nível do outro lado lunar. chegámos a um acordo de cavalheiros, sorrimos e cada um foi à sua vida. creio que a ouvi a trautear, ao longe, afastando-se, os acordes do "somewhere over the rainbow".

desde então uso a lua sempre que o meu coração quer enviar um ou outro raio de luz. quem diz que a distância dá conta do amor é porque claramente nunca usou a lua e anda a perder anos de vida. ou vida nos anos.

Comentários

JGPTC disse…
Acordo de cavalheiros com a Lua???? Ultrajante.... a Lua é uma donzela, sim?
Mariana Neves disse…
"que eu, por exemplo, tinha sempre raios de luz a querer sair dos meus olhos e do meu coração e que os queria enviar para outros pontos do planeta. mas os correios negam o transporte de raios de luz e fatias de amor. dizem que não passa na alfândega. se um guarda fronteiriço suspeita que há uma fatia de amor guardada dentro de um cuidadoso embrulho é logo menino para, assobiando para o lado, a guardar dentro do casaco e levar para casa, porque dá sempre jeito em qualquer ocasião."

Que delícia de texto! Fiquei feliz só de o ler, a lua também te deve ter emprestado um bocado dessa luz porque quem ler isto é também iluminado por alegria! Obrigado :)
Bárbara Barbosa disse…
foi dos textos mais bonitos que li até hoje. Simplesmente fantástico :)
obrigado pelas vossas palavras amorosas, imaketeanotwar e bárbara :)

quanto à menina juana, sempre tratei a lua como uma donzela, fazer acordos de cavalheiro com ela é só uma prova de que a lua vale por todos os sexos e mais alguns :)

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