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fronteiras

há poucos momentos de maior perfeição no desprendimento corporal do que aquele momento preciso de lusco-fusco pessoal em que estamos prestes a adormecer.

naquela fronteira entre o estar cá e o estar lá, temos muito poucas certezas. sentimos que o corpo se torna mais leve, os sons mais difusos, as sensações mais indistintas. passamos tantas vezes por aquele repelão, uma espécie de queda em que acordamos de novo de repente para perceber que afinal está tudo bem. chego a acreditar que esse momento acontece por uma espécie de destino errado. acordamos para corrigir a rota e contornar as baixas pressões turbulentas, da melhor forma que conseguirmos.

depois seguimos noite fora. sonhamos a cores, a preto e branco, em tons de sépia, em português, inglês ou noutra língua qualquer. alguns de nós até se levantam ou falam alto, tal é a intensidade com que conseguem viver a sua vida paralela nesta doce dimensão do sonho.

mas o que para mim melhor caracteriza o momento em que largamos a certeza dos lençóis e enfrentamos de frente o sonho (eu e a redundância somos quase melhores amigos) é uma espécie de salto no precipício, uma entrada num abismo para o qual olhamos com o interesse de quem quer ver, mais do que olhar.

e vamos com pressa. sem paragens para beber um café ou para ir à casa de banho...

o que se percebe. estamos a fazer o check-in para entrar no mundo dos sonhos. queremos chegar rápido para ter lugar à janela.

Comentários

Anónimo disse…
Sinto esse momento ao despertar. Mas deixo-me estar e cause sempre não quero que se perceba da vontade que nem a mim mesma confesso. O limbo perfeito entre o físico e a mente feroz que não quer partilhar a sua maior fraqueza; uma espécie de necessidade de um outro.

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