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a frustração, o pai natal e os triciclos que se transformam em bicicletas

de vez em quando dou por mim a parar para pensar sobre determinados sentimentos humanos. depois lembro-me que devo utilizar antes os minutos das horas dos dias para correr no parque, ler ou ir dar banho ao cão, esse cão que é a vida. mas o fim do dia chega. e volto à estaca zero em relação ao sentimento, que ficou à espera de ser pensado, como se fosse um amontoado de folhas no canto do mesa, debaixo de um post-it amarelo a gritar 'urgente!'. chegado à estaca zero (e é bom as estacas ainda servirem para algo mais útil do que apenas subtrair a vida a vampiros) o processo desenvolve-se do modo pouco organizado que seria de esperar.

hoje preocupou-me a frustração. porque é que sentimos frustração. em que medida a frustração é directamente proporcional à expectativa. creio que a frustração não nos acompanha desde o momento zero. não há memórias escritas de crianças com menos de três anos, mas acredito que nessa fase as respostas sejam essencialmente viscerais. emocionais. viscero-emocionais.

a frustração só começa a aparecer quando mergulhamos no racional e passamos a criar um esquema mental do que é a expectativa. a partir desse momento é aberta a porta à frustração. a promessa não cumprida gera frustração. o resultado abaixo do esperado gera frustração. a descoberta de que afinal o pai natal não existe gera frustração.

claro que, fruto de tanto cruzamento genético ao longo de tantos milhares de anos, e de tanto embebimento em sociedade, também desenvolvemos diferentes formas de combater a frustração. o caminho mais fácil é certamente trocar apenas duas ou três letras e transformar a frustração em prostração. pelo meio há uma via com mais algumas letras do que a prostração, a procrastinação, em que apenas adiamos a resposta à frustração. por último, o caminho mais difícil, assenta em ver oportunidades na crise, de maneira a chegar às expectativas iniciais, ao invés de puxar as expectativas para um nível mais baixo e ser feliz pela redução da fasquia.

no fundo a vida pode resumir-se ao momento em que largamos o triciclo para aprender a andar de bicicleta. à primeira queda, pelo meio das lágrimas e da vitimização contra o alinhamento dos corpos celestes, o piso escorregadio ou o carro que apareceu do nada, há que tomar a opção: andar de triciclo a vida toda ou cair mais umas quantas vezes, sabendo que mais tarde poderemos ser o lance armstrong lá do bairro.

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